As tensões entre a educação e a economia

Daniel Cara

Daniel Cara

Todo o debate político brasileiro está colonizado pela perspectiva econômica, especialmente o debate educacional. Entre os economistas é possível identificar duas vertentes que analisam a correlação entre educação e desenvolvimento, um dos temas mais recorrentes na opinião pública.

A primeira defende que há relação direta entre o nível de escolaridade e o aumento da produtividade e renda de um país. Para tanto, faz uso de argumentos baseados em dados e estudos da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e do Banco Mundial, pautados por testes padronizados de aprendizagem com forte viés metodológico.

A segunda corrente discorda da primeira. Para ela, no curto e médio prazo, o aumento da produtividade decorre de fatores de inovação e investimento no sistema produtivo, como incorporação de novas máquinas e melhoria da infraestrutura. A demanda por treinamento para a produção de alguns bens, nesse caso, é resolvida com sucesso pelas próprias empresas por meio da formação de seus funcionários. A base argumentativa são os dados empíricos da experiência econômica dos EUA e dos países europeus no pós-guerra.

Para essa narrativa, o aumento da produtividade acompanha mais o sistema "crescimento econômico por meio de investimento" do que a melhoria dos indicadores educacionais. Ampliando a análise, os partidários desta corrente afirmam: uma boa educação é mais resultado do que causa do desenvolvimento. Infezlimente, fazendo mal uso das conclusões dessa vertente, alguns chegam a defender a primazia do investimento em infraestrutura e inovação produtiva em detrimento do financiamento da educação pública de qualidade e dos demais direitos sociais.

O debate é estimulante e é possível imaginar e simular uma longa disputa argumentativa entre as duas correntes. A primeira se ajusta melhor ao projeto econômico liberal da educação e a segunda à história econômica em si, marcada por um prisma heterodoxo.

No entanto, há situações em que desafios estimulantes apresentam dilemas que não levam a lugar algum em determinados temas públicos. Lenda ou não, há momentos em que é melhor cortar o nó górdio ao invés de tentar desatá-lo, tal como fez o lendário Alexandre.

Antes de tudo, educação é um direito e não pode ser reduzida a um fator econômico. Sua missão é a emancipação dos cidadãos, por meio da aquisição da cultura. Ou seja, essencialmente, não importa se "boa educação" é causa ou consequência do crescimento da economia. Ela precisa ser ofertada a todos e todas, com garantia de qualidade.

Tratar a educação como direito significa compreender, valorizar e respeitar o trabalho dos professores e demais profissionais, garantir escolas com infraestrutura adequada, estabelecer um currículo estimulante, buscar boas estratégias didáticas, esmiuçar problemas de sala de aula e dos sistemas públicos de ensino com o objetivo de garantir a aprendizagem dos alunos, estimular a participação de todos no ambiente escolar e definir uma boa política de avaliação voltada à melhoria do processo pedagógico.

Não há dúvida de que as respostas a esses pontos, que são os verdadeiros nós da educação, é tarefa a ser empreendida por educadores, não por economistas. Parece até trivial, mas isso está distante de acontecer na prática, tanto na administração pública como na imprensa.

O foco do debate educacional precisa ser o direito à educação em si, não as políticas educacionais como insumo para o crescimento. No médio e longo prazo, não há dúvida de que um possível resultado da consagração do direito à educação é o desenvolvimento econômico, mas esse não pode e nem deve ser seu objetivo.

A relação entre educação e economia, portanto, não deve se inscrever na predominância da perspectiva econômica sobre as questões pedagógicas. A melhor interação entre essas duas esferas da vida social deve estar pautada por um desafio mais objetivo: como financiar adequadamente a política educacional.

Em outras palavras, não cabe às políticas educacionais estarem a serviço da economia de uma dada nação. É precisamente o contrário. É a economia dos países que devem estar a serviço do direito à educação de seus povos – além dos demais direitos. Como viabilizar isso é um desafio intelectual e político necessário e verdadeiramente estimulante. Pena que é algo pouco debatido e aprofundado, como pode ser observado no debate eleitoral de 2014.

Daniel Cara

Coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, bacharel em ciências sociais e mestre em ciência política pela USP.

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