22/01/2010 - 06h30

Direitos humanos: pausa para pensar

Prezado leitor, não espere, com este texto, uma posição definida a respeito do assunto. Até porque a expressão "direitos humanos" é, a um só tempo, vaga e abrangente.

Vaga porque é definida como os direitos naturais que cada pessoa tem. E abrangente porque implica que todos têm esses direitos. Ou, como se diz, somos todos iguais perante a lei.

É aí que a coisa se complica. Não estou aqui para esclarecer, mas para, perdoem-me a pretensão, levar à reflexão.

O leitor e a ouvinte

O filme "O Leitor" é estrelado por Kate Winslet, a mesma de "Titanic". Produção americana de 2008, vencedor do Globo de Ouro e indicado a cinco Oscars, o filme se passa na Alemanha. Conta a história de uma bilheteira de bonde que, aos 30, 35 anos, ajuda um jovem de 15, 16 anos, que estava passando mal à entrada do prédio dela. Sobe com ele até o seu apartamento porque ele estava vomitando, ajuda-o a limpar-se e depois o leva até a casa dele.

Após dois meses de recuperação, o rapaz volta para agradecer com um buquê de flores. Iniciam então um romance que, além dos passeios e relações sexuais usuais, inclui algo muito peculiar: ele passa a ler para ela inicialmente livros da escola e, depois, romances vários.

De repente, ela desaparece porque, de bilheteira, havia sido convidada a trabalhar no escritório da empresa. Ele se desespera à procura dela e só a reencontra anos depois: aluno da faculdade de direito, ele participa do seminário de um professor que leva os alunos para acompanharem o julgamento de algumas nazistas, ela entre as quais, acusadas de milhares de mortes em Auschwitz.

O drama do silêncio

Ela não sabe que ele acompanha o julgamento. Para o rapaz, agora com uns 20, 22 anos, aquilo o angustia e fica claro para os demais colegas e o próprio professor que ele sabe de algo. Sem revelar o que é, ele confirma que isso poderia mudar o julgamento.

Uma das principais provas contra a acusada é um relatório detalhado a respeito de mortes de dezenas de judeus trancados por fora numa igreja atingida por bombardeios aliados e que se incendeia.

As demais acusadas testemunham que ela escreveu o relatório de próprio punho, o que ela acaba admitindo, fazendo dela a única a ser condenada à prisão perpétua, enquanto as demais pegam apenas prisão de quatro, cinco anos.

Fica subentendido que ela adorava que o rapaz lesse para ela e que ela desapareceu ante a possibilidade de promoção no emprego porque era analfabeta. Portanto, não poderia ter escrito o relatório. O que não a livra pela morte de tantas pessoas. Mas no mínimo mais alguém também deveria receber a prisão perpétua.

E isso aconteceu tão somente porque o rapaz se negou a revelar o que sabia e a dar seu testemunho a favor dela no julgamento, com receio do seu envolvimento na história e das possíveis consequências.

Ele se remoe pela atitude, mas não quer correr o risco de admitir que teve um envolvimento com ela, o que provocaria uma situação embaraçosa para ele e sua família.

Assim, o filme mostra que ela foi profundamente prejudicada porque não teve reconhecidos os seus direitos. No entanto ela podia ter admitido que a fuga do emprego e a admissão da responsabilidade pelo relatório foram decorrentes da vergonha de se declarar analfabeta.

Sei que fiquei em cima do muro mas, como disse desde o início, minha intenção era provocar a reflexão. Espero ter conseguido.

* Com Lucila Cano