Topo

Educação e direito

Guilherme Perez Cabral

18/05/2015 06h00

Temas fundamentais, educação e direito exigem discussão constante e atenta na construção de um (bom) projeto de sociedade. Independentemente de predileções de toda sorte -- políticas, filosóficas, de esquerda, de direita. São, também por isso, temas complexos. Mas não devemos fugir do desafio.

Uma primeira aproximação já revela suas  ambiguidades. A educação se constitui na dualidade entre um processo de formação da identidade pessoal e, ao mesmo tempo, de ajustamento à vida social. A Constituição Federal - já analisando a educação sob o ponto de vista do direito - prevê que ela se presta ao desenvolvimento pleno da pessoa, ao preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

É a partir dos conteúdos, conhecimentos que aprendemos na escola e nas “escolas da vida”, que podemos ler o que já foi escrito, compreender o que o outro diz e, então, construir e corrigir, permanentemente, nossos pontos de vista, nossos interesses, nossas razões, nossa identidade. O eu só tem sentido dentro de uma inter-ação, de uma conversa com as outras pessoas. Não existe sozinho.

Quanto à ideia de direito, num sentido bastante amplo, ela é associada ao conjunto de normas emanadas do Estado que rege a convivência em sociedade. Resulta de um processo legislativo (e, ainda, judicial) que vai formando um emaranhado de leis, medidas provisórias, decretos, portarias, resoluções, repleto de incoerências, falhas e lacunas, só mesmo por ficção compreendido como um “sistema” jurídico.

Alguns se satisfazem com a legalidade, o que é preocupante. Nela se esgotaria o direito (a lei e a ordem) a ser obedecido, à parte de questões morais, de perguntas sobre sua justiça ou injustiça. As coisas, porém, não são tão simples assim. Não nos esqueçamos do véu de legalidade que, há não muito tempo, encobria o autoritarismo institucionalizado da Ditadura Militar.

Outros preferem entrelaçar o direito com a moral, definindo critérios para aferir sua legitimidade, sua justiça. Não raro, amparam-na num “super-direito”, preconcebido por Deus, determinado pela natureza, apreendido pela razão ou apenas sentido pelo povo. No Estado Democrático de Direito, que define nossa República, inclino-me para uma legitimidade que não se apoie senão na sempre maior participação do cidadão (nem súdito, nem pedinte) na sua construção.

Tal complexidade dos temas, tão fundamentais, não permite abordagens superficiais, certezas tomadas de empréstimo, verdades vindas não sabemos muito bem de onde. O conhecimento não pode ser transformado em tabu, já alertava Adorno. Não entender não pode ser um uma desculpa para preservar intacta a nossa incompreensão sobre o que nos diz respeito. Nem pode a inteligência se contentar com reduções simplistas, maniqueísmos, generalismos rasos, frase de efeito. Precisamos ir além disso.

A forma como educação e direito afetam a vida de cada cidadão sugere, finalmente, a importância do envolvimento de todos no debate. Consolida-os como questões eminentemente públicas. Exigem, dessa forma, debate público. Opiniões públicas. Soluções públicas. Afinal, ninguém melhor do que nós mesmos para definir o que nos convém. Sem pai do povo. Sem salvador da pátria. Eis um postulado da democracia.

Propomos, aqui, então, um diálogo sobre o direito que nos rege e a educação que nos forma, debatendo pontos em que se tocam, revisitando e enriquecendo seus conteúdos, reconstruindo suas práticas e sentidos. Dialogar, é verdade, não é algo fácil. Absolutamente. Mas, ainda assim, o diálogo é o recurso que nos resta para a construção de uma convivência em que não prevaleça a imposição. Conversemos, então. Sem garantias quanto aos resultados.