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Um desabafo antes do fim do mundo

Guilherme Perez Cabral

13/07/2015 06h00

O cenário é desolador, solitário e infeliz (mas não conte pra ninguém). Buscamos um sucesso individual que se expressa em termos de consumo. O consumo de bens, muitos bens, todos os bens: um “ter” birrento, mimado e desenfreado. Eu quero! E, para piorar ainda mais, não basta ter. Onde a imagem predomina, é preciso, acima de tudo, parecer. Mostrar para o mundo que conseguimos comprar. Parecemos felizes. Pouco importa, no fim das contas, o que somos ou poderíamos ter sido.

Guy Debord, nos idos de 1960, já falava disso. A degradação do “ser” em “ter” e, no fim da linha, em “parecer”. É o que importa, hoje: parecer. É lá que reside todo o prestígio e a função de um “ter” sem sentido, sem conteúdo.

Eis um descaminho que não nos leva a lugar nenhum. São tantas as coisas que se tornaram “necessidades”, fundamentais e prementes, pela publicidade ostensiva, vinda de todos os lados, em todo momento – o carro, o celular, a televisão, a casa, até shampoo, tudo dos sonhos. Sem eles não dá pra ser vedete. Nem sobreviver. Tudo isso, num grande teatro de mentirinha, sempre repetido, tão repetitivo como o enredo de novela. Eu canso. Amanhã, o próximo sonho de consumo, absolutamente indispensável (por pouquíssimo tempo), exposto na prateleira, revelará o quanto o anterior não tinha, no fundo, valor nenhum. As “pseudonecessidades”, incessantemente criadas, à venda no mercado, opõem-se, no fundo, à vida que não tivemos tempo de viver.

Chegamos em casa, depois de um dia de trabalho, extenuados. Passamos por diversos eventos, engolimos distintas informações. Trânsito, jornal, reunião, fast food, supermercado, fila, conta. Mas, sobrevivendo a tudo isso com pressa, no piloto automático, não experimentamos nada. Não sentimos o gosto. Não nos encontramos com os outros, que não (re)conhecemos, nem conosco (que estranhamos ao olhar no espelho). Cito a fonte, aqui. É Giorgio Agamben.

Se a felicidade está na realização de nossas vontades, num equilíbrio tênue entre nossos desejos e a capacidade de efetivá-los (isso tem um pouco a ver com a ideia de liberdade, para Schopenhauer), ela se tornou um bem inacessível. Diante de tantas necessidades e desejos, com tamanha dimensão, ainda que a felicidade fosse consumível, não teria para todo mundo.

A ordem, então, é correr. Corremos para chegar primeiro. Corremos nem sei mesmo o porquê. Cada um por si, concorremos. Sem rumo.

Para aguentar a pressão e a frustração, sejamos fortes. Chorar é sinal de fraqueza. Abraçar é para os fracos. Nem a tão importante liberação sexual fez com que nos encontrássemos. Consumimos corpos, pelo seu valor de troca, divididos entre o sonho romântico do beijo e a necessidade apressada de gozo.

É, a humanidade está carente. Valeria, agora, uma reflexão acalentadora sobre o direito à educação do afeto. A educação para o afeto, pela experiência do afeto, do cuidado, da empatia. Era minha intenção inicial. Mas, vivendo todo esse contexto, nem comovido fico mais. Vem-me à cabeça Drummond... “Mas você não morre / você é duro, José! (...) você marcha José / José, para onde?”.