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Um pai na democracia, a sociedade sem pai

Guilherme Perez Cabral

31/08/2015 06h00

Nossa história antidemocrática vem marcada pelo peso e pelo patronato do Estado, personificado no líder politico, sobre a nação. Falava disso Raymundo Faoro. Temos fascinação por nossos líderes, com seus traços messiânicos e paternalistas, mais ou menos acentuados. Nossos salvadores da pátria, pais do povo. Nós os esperamos e eles vêm, com a verdade, para remediar todos os males e sofrimentos.

Então, os veneramos, pedimos e nos submetemos à sua autoridade. O cidadão, alquebrado em tutelado, menor, pedinte, não quer participar (isso é muito custoso); ele quer proteção, solução para seus problemas. E rápido.

Hans Kelsen, fazendo referência ao pensamento de Freud, define a democracia como uma “sociedade sem pai”. O pai, aqui, tomado como a experiência original de toda a autoridade. A figura poderosa, ao mesmo tempo amada, venerada e temida, à qual nossa vontade tem se render e se submeter. O chefe que conduz a horda.

Pensar na democracia, entre nós, como uma “sociedade sem pai”, é revolucionário, subversivo. Remete-nos a uma comunidade de iguais, em que todos participam, dispensando líderes que pensariam e decidiriam por nós.

Exige que nos emancipemos do simbólico pai autoritário, que mantém o filho sob seu jugo, para imperar. A educação tem tudo a ver com isso.

Valorizando minha condição atual chamo atenção para um fato: a recusa ao chefe paternalista não significa que a figura paterna esteja dispensada, daqui por diante. Pelo contrário. A “sociedade sem pai” não prescinde dele, até certo ponto. Ele, porém, muda de figura, altera-se o papel. Torna-se o que deve ser, um educador. A autoridade temida tem que dar lugar ao pai amoroso que participa do processo de formação da identidade do filho.

Falo, pois, do pai que, porque ama o filho, cuida e educa, como pede a Constituição, visando ao seu pleno desenvolvimento e ao seu preparo para a cidadania. Tudo para fazer prevalecer o direito do filho de viver a própria emancipação. Traz o filho à linguagem, aos valores, ao conhecimento, às competências que o equiparão para caminhar com as próprias pernas; para se tornar sujeito, autor e, sobretudo, na lição de Ricoeur, o herói de sua própria história.

E, assim, formando-o para o mundo, ele (o pai), pode, então, um dia, se aquietar, assumindo e vivendo, enfim, sua desimportância. Penso que, no final das contas, essa é a função do pai: tornar-se inútil, dispensável ao agora cidadão que não precisa de tutores ou dirigentes.

João e Luis, não estar preparado para o dia em que, aos seus olhos, serei inútil, não quer dizer que não esteja me esforçando, ao máximo, para esse momento. Voltem para beijos, abraços, colo (caso careçam, num dia triste) e comemorações.