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A escola pode obrigar o uso do uniforme? Aliás, uniformizar para quê?

Guilherme Perez Cabral

28/09/2015 06h00

Após relatar incidente ocorrido com sua filha, uma menina de sete anos, impedida de assistir à aula e mandada de volta para casa por não estar com o uniforme escolar completo, internauta indaga: a escola pode fazer isso?

Já adianto a resposta (bem direta): não, não pode! Afirmar isso, porém, exige lançar luz sobre alguns pontos jurídicos importantes que a pergunta colocada deixa inquestionados.

A Lei paulista nº 3.913 de 1983 proíbe que se institua, nas escolas públicas estaduais, o uso obrigatório do uniforme. Nelas, portanto, a questão nem se coloca.

Mas, em escolas privadas do Estado de São Paulo e em instituições de ensino localizadas onde não existe a proibição legal mencionada, é possível, sim, que se estabeleça a obrigatoriedade do uniforme. Nesses ambientes, o ideal é que a decisão sobre o assunto seja tomada com a participação de todos, alunos, pais e professores. Afinal, estamos num Estado Democrático de Direito.

E tal definição não pode fugir da questão fundamental: mas, afinal, por que usar roupa igual? Deve haver um motivo claro e razoável, que justifique, perante a comunidade escolar, a uniformização que se quer impor.

Definitivamente, a “farda” não me agrada. Por dois motivos principais.

Primeiro, porque a escola, como ambiente de preparação para o espaço público plural, deve reconhecer as diferenças, valorizar o contato com o que não é igual. A cor da pele, que nunca foi branca; o puxado ou arredondado do olho, a lisura ou encaracolado do cabelo, curto ou comprido; a roupa, com seus eventuais adereços, também. A escola não é lugar para o homogêneo, que não muda quando interage. Não combina com fardamento.

Segundo, porque uniformizar é excluir, do âmbito do processo de ensino-aprendizagem, as lições que se podem tirar do debate sobre o que vestir. A questão não se coloca. Ponha o uniforme! Deixamos de lado reflexões importantes: deveríamos andar todos padronizados, roupa arrumada? Terno e gravata, mesmo num dia quente? Por que, para muitos, o uso de bermuda e chinelo é desrespeitoso? Há tamanho mínimo para saia? Por que tem imbecil que vê num decote uma justificativa para atos machistas? Vejam quão educativa poderia ser uma aula sobre o assunto.

De qualquer forma, prevê a Lei Federal no 8.907/1994 que o uniforme deve levar em conta o clima da região em que a escola funciona e a condição econômica do estudante. Na escola pública, que é gratuita por determinação constitucional, ele tem de ser gratuito.

Voltamos, então, ao ponto em que começamos. Definida a obrigatoriedade, o que fazer se o aluno, “sem nenhuma razão”, não for de uniforme?

Mandá-lo para casa, já disse, não é solução. Não é legal. Afinal, seria uma punição (ou prêmio?) totalmente estéril, inútil, que não implica nenhum ato educativo. A vestimenta obrigatória e igual para todo mundo na escola não pode, jamais, constituir um empecilho ao exercício direito à educação.

Se a escola estabeleceu o uso do uniforme, tem suas razões para isso. Pressupõe-se que possa justificar a regra. Que o faça, então, conversando com o aluno e com seus responsáveis, demonstrando a importância da medida. Exija do aluno que apresente e reflita sobre seus motivos. Faça do caso o problema para um trabalho escolar. Estamos num ambiente de aprendizado. O comportamento do aluno também é um objeto de avaliação.

Se a regra foi acordada com a comunidade escolar, a escola tem, a seu favor, o melhor dos argumentos: a norma é legítima, foi tomada coletivamente. Discorde, dê seus argumentos, mas respeite as regras do jogo democrático.

Agora, se o motivo do uniforme for, simplesmente, uniformizar, deixando de lado o debate e a aprendizagem sobre o que devemos vestir; se a regra é imposta pelo simples fato de ser uma regra, mesmo que desarrazoada, o fardamento injustificado; nesse caso, quem merece reprovação é a escola.