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O novo Secretário de Educação de SP e a torcida por uma gestão republicana

Guilherme Perez Cabral

15/02/2016 06h00

No final de janeiro, foi anunciado o novo Secretário de Educação do Estado de São Paulo: o desembargador aposentado e ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado José Renato Nalini. É, também, professor universitário. Começou a lecionar em 1969 e não parou mais. Sua dedicação à educação não se questiona. Suas qualidades para a gestão da coisa pública (“res publica”) também não.

Após o anúncio, porém, muito se falou sobre comentário nada republicano do agora Secretário, no ano passado, ainda no cargo de Presidente do Tribunal. Compunha a bancada de telejornal, comentando notícias. Indagado, então, sobre seu posicionamento em relação a “auxílio-moradia”, em torno de R$ 4.300,00, a juízes (que já ganham mais de vinte mil reais por mês), soltou: “Aparentemente, o juiz brasileiro ganha bem, mas ele tem 27% de desconto de imposto de renda, ele tem que pagar plano de saúde, ele tem que comprar terno... não dá pra ir toda hora pra Miami, comprar terno”. E concluiu: “O auxílio-moradia foi um disfarce para aumentar um pouquinho e até pra fazer com que o juiz fique um pouco mais animado, não tenha tanta depressão, tanta síndrome do pânico, tanto AVC”. 

A fala foi infeliz. Conivente com um “jeitinho” que não combina nada com o Estado Democrático de Direito, expressou um posicionamento bastante corporativista, defendendo interesses que destoam totalmente da realidade nacional. Chega a ser ultrajante quando contrastada com o fato de que o rendimento de 70% dos brasileiros não passa de dois salários-mínimos (IBGE, 2010). Quando se verifica que a minoria bem-aventurada de brasileiros cujos salários superam o valor do “auxílio-moradia” também tem que pagar imposto de renda no mesmo percentual lamentado pelo então Magistrado. Defasagem salarial, gastos com plano de saúde, doenças de trabalho não são exclusividades de juízes. Quanto à preocupação com as idas a Miami seria cômica se não fosse tão trágica.

A fala é indefensável, à luz de uma ética republicana, preocupada com o bem de todos, sem privilégios para grupos específicos. Somente pode ser compreendida – sem que compreender implique, aqui, concordar –, no contexto de um representante que fala em nome e em defesa de pretensões de seus representados (um “nós” restrito), ainda que em detrimento dos outros.

Definitivamente, o comentário não resume o autor de importantes obras no campo da filosofia, ética, educação e direito. Nem diminui sua atuação como Juiz de Direito e professor. Não se pode esquecer, também, no caso aqui narrado, da gigantesca distância – e os enormes mal-entendidos que cabem nela – entre a breve e recortada mensagem e o que apreendemos dela.

A nomeação contou com o apoio de muita gente preocupada com o Brasil e com a educação do brasileiro. E o que, para mim, assumo, é o suficiente: foi comemorada pela minha grande Mestra Profa. Angelica Carlini, que sempre destaca as raras qualidades de Nalini como homem público.

Pois bem. Fica a nossa torcida para que, no exercício do cargo de Secretário, o ranço corporativista impregnado no comentário ceda completamente à perspectiva republicana. Que, invertendo a lógica seguida pelo seu antecessor, Nalini faça atual a gestão democrática do ensino público, determinada pela Constituição, construindo junto com a comunidade escolar uma educação de qualidade para todos, em São Paulo.

Que, na sua gestão, nossos professores sejam valorizados e bem remunerados como juízes. Para começo de conversa, um salário no valor do questionado “auxílio-moradia” já seria significativo. Eles merecem.

É o nosso voto.