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País do futebol: uma aula prática sobre o desrespeito aos direitos humanos

"Definitivamente, os direitos humanos pedem uma educação que, ao discuti-los e ao praticá-los, supere o reinado do país do futebol" - REUTERS/Ueslei Marcelino
"Definitivamente, os direitos humanos pedem uma educação que, ao discuti-los e ao praticá-los, supere o reinado do país do futebol" Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino
Guilherme Perez Cabral

08/08/2016 06h00

Foi notícia, semana passada, o convite do Comitê Olímpico Brasileiro ao nosso Rei do Futebol, Pelé, para protagonizar o acendimento da pira olímpica. Afinal, o Brasil é o “país do futebol” e Pelé o “maior jogador de todos os tempos”. Representa-nos muito bem, portanto. Justificada a escolha.

Eu, daqui, fiquei pensando (e escrevendo para vocês, antes da cerimônia de abertura dos jogos, mas já sabendo que o Rei não pode ir) sobre o lado feio dessa história de ser o país do futebol, o lado que ninguém deveria achar bonito representar.

Volto ao tema da última coluna, a educação em direitos humanos, para sugerir um estudo de caso, em sala de aula e fora dela: o futebol como um dos mais autênticos retratos da nossa cultura de profundo desrespeito aos direitos humanos.

O futebol, por aqui, é o lugar do “tapetão”, onde a regra vale quando convém. Onde o “grande” pode ter o privilégio de ganhar mesmo quando perdeu (concordo, as coisas tem melhorado. Já faz um tempinho, não tem mais história de time subir da terceira direto para a primeira divisão, sem disputar a segunda).

É um lugar do mandonismo, onde, durante uma partida, o juiz olha feio, grita, manda e não precisa dar explicação nenhuma. Quem reclama, toma cartão. O jogador, que não é santo nem bobo, sabe disso, e se curva para falar, mãos para trás, num ato que desvirtua o devido respeito em descabida submissão.

É um lugar em que mulher não tem vez. Ninguém dá muita atenção ao futebol feminino. Nas Olimpíadas, lembramo-nos da Marta, da Formiga e da Cristiane. E só. O Campeonato brasileiro de 2016 já acabou (o Flamengo ganhou do Rio Preto, na final. Emocionante, perdeu em casa de 1X0 e, fora, ganhou de 2X1) e a gente nem ficou sabendo.

Referimo-nos bastante ao gênero feminino no estádio, é verdade. Mas para xingar a mãe do juiz. O estádio do futebol é o lugar em que se xinga muito. O desrespeito ao outro é livre. Vale “filho da puta”, vale “safado”, vale “macaco”, vale gritar para o bandeirinha enfiar a bandeira no...

O futebol é um lugar onde ser homossexual é proibido. É xingamento grave: “Bicha”, “veado”, “pau no...”. Meu time do coração é “Bambi”, diz toda hora um ex-jogador adversário. É o “pó de arroz”. Isso é dito porque provoca, ofende.

A educação em direitos humanos, por tudo isso, precisa passar pela discussão sobre o “país do futebol”, cheio de autoritarismo, privilégio, misoginia, homofobia, racismo e desrespeito. E, nela, cabe o importante debate sobre o significado dessa escolha do Comitê Olímpico, para nos representar, como país: o futebol e o grande ídolo do futebol, o “Rei Pelé”.

O Rei negro que, ao enfrentamento do racismo, preferiu, como rei, ignorá-lo a vida toda (quando não negá-lo), como se não tocar no assunto fizesse o racismo acabar.

O Rei que negou uma filha até o fim da vida dela. Para o nosso Rei, a moça até poderia ser “biologicamente” sua filha, mas ele não poderia, como disse uma vez, se preocupar com essa pessoa, que nem conhecia...

Definitivamente, os direitos humanos pedem uma educação que, ao discuti-los e ao praticá-los, supere o reinado do país do futebol.