Topo

Lições sobre o poder do direito e o direito do poder (e sobre o impeachment)

Guilherme Perez Cabral

29/08/2016 06h00

Começou na quinta-feira passada, no Senado, a fase final do processo de impeachment da Presidente Dilma. O julgamento político já foi feito. Ela está condenada. Só falta cumprir o rito exigido pela legislação.

Se a maioria do Congresso quisesse o contrário, se Dilma fosse mais habilidosa politicamente, se ela e Eduardo Cunha não tivessem se estranhado, no começo da história, o final seria outro. Tudo com base na mesma Constituição e nos mesmos artigos de lei.

Isso precisa ficar claro para nós. Daí, podemos passar pelo que está acontecendo, sem festejar. Apenas, tapando o nariz e reconhecendo nossa profunda pobreza política e moral.
A mesma Constituição e os mesmos artigos de leis servem para defender pontos de vista opostos. Com o código debaixo do braço, você pode acusar a Presidente de cometer crime de responsabilidade e pode, também, acusar o Vice de golpe, por meio de uma rasteira com ares de legalidade.

A lição aprendida na Faculdade, de que o Direito se relaciona com a ideia de justiça, retidão, correção, não passa de uma mentirinha boba. O Direito tira a máscara e revela o que, de fato, é: um texto, um discurso, um argumento que serve para justificar decisões que já foram tomadas. O Direito que ansiava a justiça não passa de instrumento do poder (e da política, portanto).

A Presidente se reelegeu falando de um Brasil que não existia e prometendo um Brasil que está longe de existir. Depois teve que contar a verdade. A coisa não era bem assim. Enfim, mentiu. Reeleita, ficaria quatro anos no Poder, fazendo o oposto do que prometeu. E ninguém a tiraria de lá. Tudo com fundamento no Direito.

É a ditadura presidencialista de prazo fixo, ensina o Prof. Dalmo Dallari: o Presidente pode agir contra a vontade do povo e do Congresso sem que haja meios “normais” para afastá-lo. O impeachment, continua, “é uma figura penal, que só permite o afastamento do presidente se ele cometer um crime. E é perfeitamente possível que o presidente, adotando uma política inadequada, mas sem praticar qualquer ato delituoso, cause graves prejuízos ao Estado, não havendo, nessa hipótese, como retirá-lo da presidência e impedir a manutenção da política errônea”.

A Presidente, porém, estava muito enfraquecida. O Vice (e seu partido que está sempre no Poder) abandonou o barco e se juntou ao partido que havia perdido as Eleições, mas nunca aceitou a derrota.

Precisavam de um motivo, qualquer um, para justificar juridicamente a decisão política de tirar a Presidente. Encontraram. Vamos acusá-la de um crime e condená-la! Não é golpe, é impeachment. O direito, sempre ele, nos ampara.

A ideia não é nova. O Parlamento inglês já fazia isso, nos idos de 1700. Utilizavam o impeachment para afastar políticos indesejados e enfraquecidos politicamente, acusando-os e os condenando pela prática de um crime.

É verdade, os ingleses superaram isso, faz algum tempo. No parlamentarismo, o governante sem apoio político recebe um “voto de desconfiança”, diante do qual pede para sair. Evitam-se discursos jurídico-criminais para justificar a decisão política.

Seria importante aprendermos com essa história toda. Tirar boas lições desse teatro fedorento. Sem comemorações. Independentemente do resultado que poderíamos ter se a decisão já não estivesse tomada.