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O professor na sociedade dos poetas mortos

Guilherme Perez Cabral

19/09/2016 06h00

Para a reflexão sobre o papel e as responsabilidades do professor, em relação aos seus alunos, neste tempo de mais dos mesmos e museus de grandes novidades, vale a pena assistir (ou ver de novo) o filme – um tanto antigo, é verdade – “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989). Assistimos em aula.

Conta a chegada do Prof. Keating (interpretado por Robin Williams), para trabalhar na Academia Welton, tradicional e rigoroso colégio para rapazes. Opõe, assim, dois métodos de ensino. De um lado, o da instituição, a educação do passado, baseada na “tradição, disciplina, honra e excelência”. De outro, o pouco convencional do professor de literatura recém contratado.

Keating, valendo-se da poesia, almeja a “autonomia” de seus alunos, de modo que possam pensar por si, escrever seus próprios versos, ver o mundo de diferentes pontos de vista, descobrir o próprio jeito de andar, quando caminham juntos. Estimula seus alunos a tornarem suas vidas extraordinárias. Tudo para que – citando Thoreau (o da Desobediência Civil) – não descubram, ao morrer, que não viveram.

Difícil. Os espaços para o extraordinário são sempre muito limitados. Na nossa sociedade dos poetas mortos, em que os vivos insistem em ideias que deveriam ter morrido faz tempo, a vida é pesada e as coisas (mudando, um pouco, para Drummond) são tão fortes! O tempo é de muletas e velhas ideias alheias, nas quais nos apoiamos para não cair no vazio que nos tornamos. Torna-se extremamente perigoso, nesse contexto, estimular o aluno a não seguir o caminho ordinário, já prescrito, e tentar ser o artista de uma vida extraordinária.

Nos convenceram de que o melhor mesmo é conter as expectativas e os sonhos, ter as ambições catalogadas, para ser o número um em alguma coisa. De preferência, algo superficial, que não exija lá muita leitura, mas que pague bem e que lhe possibilite, se for homem, antes de casar com a mulher perfeita e de família, comer o máximo de meninas gostosas. Em qualquer caso, para atingir os fins a que nos conformaram (e nos quais passamos a acreditar), cometer apenas os crimes e corrupções admitidas.

No cálculo da felicidade possível, o ensino “tradicional”, em que seguimos a boiada, tocada pelo velho boiadeiro, nos garante, pelo menos, o viver “meia felicidade”, a felicidade ordinária, que é só meia tristeza e não a tristeza inteira.

Seguir outros (os nossos) caminhos pode nos conduzir a obstáculos intransponíveis. A frustração, com a qual não sabemos lidar, se apresenta como algo bastante provável. O método de Keating não promete nenhum um final feliz. No filme, aliás, o final é trágico e triste, muito triste.

Apesar de tudo, penso (sem ter como provar) que devemos nos deixar contagiar pelo Prof. Keating.

Não foi ele, definitivamente, o responsável pelo suicídio de Neil, o aluno que queria ser ator, mas cujo pai não deixou. Responsáveis pela sua morte não foram seus incentivos para que Neil apanhasse seus botões de rosa enquanto pudesse, antes da flor se tornar moribunda. Quem matou Neil, anulando-o, foi a vida ordinária e infeliz predefinida por seu pai e apoiada na tradição e na disciplina de Welton.

Ainda que o Prof. Keating e um tiro na cabeça não tivessem cruzado o caminho imposto a Neil, ele morreria, aos poucos. Não estaria vivo entre nós. Seria só mais um morto-vivo que vaga vazio por aí, apoiado em alguma velha muleta ou ideia alheia.