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Não se faz educação por medida provisória

Guilherme Perez Cabral

26/09/2016 06h00

“Hei de fazer este país uma democracia” (João Baptista Figueiredo, Ditador Militar do Brasil)

O Presidente chamou uma coletiva de imprensa para nos contar que a educação brasileira – mais especificamente, o ensino médio – sofrerá profunda alteração, por meio de medida provisória. Muita gente falando nisso, muita gente que nem sequer teve acesso ao texto. O Governo ainda não o havia divulgado.

Trago o tema, aqui, não para discutir o conteúdo da alteração a ser imposta, num só golpe. Não tive tempo para aprofundar a leitura. Trago o tema para falar de outra coisa, um defeito muito grave, que o contamina e contamina também (um pouco, pelo menos), todos nós: a antipatia ao debate e à participação democrática.

Medida provisória, de acordo com a Constituição, é um ato com força de lei (isto é, cria direitos e obrigações), que, editado pelo Presidente da República, passa a valer imediatamente. Somente depois, quando já está lá, produzindo efeitos, é discutido e votado no Congresso Nacional.

Por isso, somente deve ser editada em casos excepcionais, de urgência e relevância. Afinal, em regra, quem deve fazer lei, decidindo sobre as normas que regem a nossa vida não é o Presidente República, mas o Poder Legislativo (o Congresso Nacional e, no âmbito dos Estados e Municípios, as Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais).

O problema, dizem por aí, é que demora muito. O projeto de lei, para ser aprovado no Congresso, tem que passar por um monte de comissões e ser votado tanto na Câmara dos Deputados como no Senado. Democracia é demorada demais. É um saco. Envolve muito debate, muito trabalho de convencimento, muita gente chata com opiniões divergentes.

Em relação à reestruturação do ensino médio, profissionais da educação a discutiam há anos. O Projeto de Lei nº 6.840, que trata do assunto, tramita desde 2013 no Congresso.
A solução do Governo Federal? Impor a reforma de cima para baixo, por meio de medida provisória.

É muito grave um Ministro da Educação dizer o que disse, semana passada, justificando a medida sob o argumento de que há três anos o debate da matéria não avança. Dizer que outros temas importantes estão na pauta de votação dos Deputados e Senadores. E daí sentir-se legitimado para tratorar a democracia, acabar com a discussão e determinar quais serão as mudanças.

O Ministro, como tantos outros políticos no Brasil, age, em relação à democracia e à gestão democrática da educação, como o ignorante que, por conta de sua ignorância, não se dá conta do que fala e defende. Fala e pratica a antidemocracia, talvez, por não entender o que a democracia é (ou pode ser).

Está aí, corroendo as possibilidades da democracia e da educação democrática, previstas na Constituição, uma de nossas marcas mais fortes, sempre disposta a aparecer, na lição de Paulo Freire: a nossa inexperiência democrática. Inexperiência que se materializou numa aversão.

Não esperem outra coisa de golpistas.