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Estudo do câncer em animais selvagens

Lucila Cano

09/03/2012 06h00

O Núcleo de Anatomia Patológica do Hospital A.C. Camargo e a Fundação Parque Zoológico de São Paulo anunciaram parceria para estudo do câncer em animais selvagens.

Saber o que ocorre com os animais pode contribuir no combate ao câncer, a partir do cruzamento de informações com o que se sabe sobre a doença entre humanos.

O objetivo das instituições é estabelecer meios avançados de diagnóstico em animais selvagens, criar um banco de tumores no zoológico e identificar genes que sejam marcadores prognósticos e possíveis alvos terapêuticos.

Veterinários do zoológico, que detêm o histórico clínico dos animais, e patologistas do A.C.Camargo, que reúnem experiência em diagnóstico molecular, somam conhecimento e competências para viabilizar o estudo. É possível, por exemplo, realizar biópsias de tecidos de diferentes espécies para indicar a existência ou não de câncer, apontar características da doença, como tamanho do tumor, grau de agressividade e potencial para metástases.

A herança de Tetéia

Tetéia, hipopótamo fêmea que morreu em agosto de 2011, apresentava câncer do tipo sarcoma na articulação da tíbia direita, com metástases no pulmão e no coração. Ela teve vida longa – 53 anos contra a média de 35 anos para os hipopótamos.

Segundo João Batista da Cruz, diretor técnico-científico do Zoológico de São Paulo, “se os cânceres aparecem em animais de zoológico, é porque estes têm a vida mais prolongada, assim como ocorre com os humanos”.

Não há uma estatística que aponte quantos anos a mais vivem os animais em cativeiro. O diretor do zoológico estima aumento médio de 15% a 20%. “Dentro do zoo os animais não estão expostos aos diversos fatores que neles causam grande estresse, como as questões climáticas, a falta de alimentos, necessidade de fugir de predadores, ou de ser o predador. Além disso, quando fica velho, o animal na selva se torna presa fácil para os predadores e é abandonado por seu grupo de animais.”

Em analogia, Cruz lembra que os animais não fumam, mas estão expostos à poluição; não bebem, mas consomem alimentos também ingeridos pelos humanos e, portanto, também sofrem influência de fatores ambientais que podem ser cancerígenos.

Mais saber

O Zoológico de São Paulo registra a história clínica dos animais desde a sua fundação, em 1958. “Nossa proposta é montar aqui um banco de tumores nos mesmos moldes que temos no hospital, com tecidos congelados, blocos de parafina e lâminas”, destaca Fernando Soares, patologista e diretor de Anatomia Patológica do A.C.Camargo, que lidera a equipe do hospital.

Ele explica que esse material propiciará a identificação de fatores ambientais na alteração celular que leva ao câncer e quais são os genes envolvidos no processo. “Poderemos vislumbrar a identificação de genes que possam apontar o prognóstico para determinados animais e também estabelecer alvos terapêuticos, ou seja, saber onde atacar a doença e com quais técnicas.”

Aspecto notável da parceria é a possibilidade de se cruzar as informações com o que hoje é sabido sobre tumores em humanos, como exemplificou o dr. Soares: “Um tamanduá, que por ventura desenvolva câncer de fígado mesmo sem nunca ter consumido bebida alcoólica, ou desenvolvido quadro de hepatite, por ter hábitos diferentes dos humanos, chamaria a nossa atenção e buscaríamos identificar onde se escondem os fatores que levaram à doença”.

Na retaguarda dessa pesquisa está o hospital criado pelo casal Antônio e Carmen Prudente em 1953, na cidade de São Paulo, e que é uma referência em tratamento oncológico na América Latina.

Responsável pela formação de um em cada três oncologistas em atividade no Brasil, o A.C. Camargo criou a primeira Residência em Oncologia do país, no mesmo ano da sua fundação. Em 2010 formou o seu milésimo médico residente.

A instituição tem a maior produção científica da área, com mais de mil trabalhos publicados na última década. Além disso, centralizou em 2000 o Genoma do Câncer no Brasil, com financiamento da FAPESP e Instituto Ludwig.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.