Gosto amargo do desperdício
Em algum momento do ano o leitor deve ter lido, ouvido ou assistido a alguma reportagem a respeito das dificuldades que produtores brasileiros enfrentam para o armazenamento e transporte de grãos. O assunto é notícia sempre que se fala em infraestrutura.
A despeito das adversidades correntes no país de dimensões continentais, o Brasil é um sucesso na produção de grãos. É objeto de desejo de investidores internacionais que compram terras e fazendas em nosso território, com vistas à exportação para seus países de origem. Muitos apostam nos negócios de mão dupla: a matéria-prima é beneficiada no exterior e depois volta importada como produto pronto para o consumo. Mas esta é outra história.
A questão da infraestrutura, além da implicação econômica, pode agora também ser avaliada por seu impacto ambiental. A FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) lançou no início de setembro um relatório que analisa os efeitos do desperdício de alimentos em relação ao clima, uso da água e do solo e quanto à biodiversidade.
Impactos ambientais
O estudo, que tem por título “Os rastros do desperdício de alimentos: impactos sobre os recursos naturais”, abrange toda a cadeia alimentar, do plantio ao consumo final. Ou seja, a insuficiência de silos; as estradas congestionadas e em condições precárias para o transporte; a falta de alternativas para escoamento das safras por outras vias que não só a rodoviária; a burocracia; a morosidade nos serviços e a obsolescência de portos não são as únicas responsáveis pelo desperdício, ao menos no Brasil. No entanto, a cota de responsabilidade desses elos produtivos é grande.
Segundo divulgação da FAO, o maior percentual de desperdício de alimentos no mundo – da ordem de 54% - ocorre na fase inicial da produção, colheita e armazenagem e é mais comum nos países em desenvolvimento. A ausência de infraestrutura e de novas tecnologias de produção contribui para isso.
Do outro lado, os restantes 46% do desperdício de alimentos estariam mais concentrados nos países desenvolvidos, mas não só neles, e seriam decorrentes de etapas de processamento, distribuição e consumo.
Entre os impactos ambientais destacados no relatório da FAO está a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, em decorrência de alimentos produzidos, mas não consumidos: 3.3 bilhões de toneladas de dióxido de carbono. Isso, em relação à quantidade estimada em 1.3 bilhão de toneladas de alimentos desperdiçados, incluindo-se nessa proporção os insumos da produção e posterior descarte: energia, água, químicos etc.
Para simplificar, é quase uma conta de três a um. Para produzir e desperdiçar uma parte de alimentos, são emitidas três partes de gases poluentes na atmosfera, que esquentam o planeta e causam mudanças climáticas graves.
No prejuízo
Em maio passado, o planeta atingiu a marca de 400 ppm (400 partículas de dióxido de carbono por um milhão). À margem da opinião dos céticos ou desligados dos temas ambientais, os 400 ppm significam o limite do suportável quanto à saturação de gás carbônico na atmosfera. Esse número muda todos os dias e, de acordo com cientistas ambientais, logo enfrentaremos desastres naturais incontroláveis, caso não possamos deter o acúmulo dessas partículas.
Ora, juntem-se a essa ameaça já instalada o crescimento da população mundial e a demanda por alimentos para a subsistência de todos os povos. Acrescentemos os 3,3 bilhões de toneladas de dióxido de carbono dos alimentos desperdiçados ao ano e teremos um senhor desafio pela frente.
A mudança de hábitos de consumo é urgente. Teremos tempo suficiente para mudar? Chegaremos ao ponto de substituir os alimentos produzidos como conhecemos por insetos e larvas disponíveis na natureza?
Atualmente, a FAO estima que o custo anual do desperdício de alimentos, com exceção de peixes e frutos do mar, é de 750 bilhões de dólares, enquanto cerca de 870 milhões de pessoas passam fome todos os dias.
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