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O abecedê dos cidadãos

Lucila Cano

04/10/2013 14h22

Ao final da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil/2011, do Instituto Pró-Livro, uma conclusão corrobora o que a gente já sabe, mas gostaria que fosse diferente: “Assim como nas edições anteriores, a pesquisa confirma as principais correlações com a leitura: escolaridade, classe social e ambiente familiar. Quanto mais escolarizado ou mais rico é o entrevistado, maior é a penetração da leitura e a média de livros lidos nos últimos três meses”.

Embora já tenhamos virado mais uma página do calendário, não posso deixar passar em branco o 8 de setembro, Dia Internacional da Alfabetização. Não pela necessidade de comemoração, mas pela urgência de ações.

Alfabetização e gosto pela leitura estão intimamente ligados. Só quem consegue ler e escrever com fluência tem a capacidade plena de descobrir a força das palavras e a riqueza de conteúdos transformadores. Peculiar, no entanto, é a atitude de muito brasileiro escolarizado, bem posto financeiramente e que não tem o hábito da leitura para além da página corrida do jornal, no qual só lê títulos e uma ou outra seção.

Por algum motivo não muito claro (preguiça, imediatismo?), a média do brasileiro lê menos que chilenos e argentinos, só para citar dois dos “hermanos” vizinhos. Assim, passa de pai para filho uma indolência com o descobrir, pesquisar, empreender e realizar que a leitura pode suprir.

Por isso, mais do que a escolaridade e a classe social, acredito que o ambiente familiar é fundamental para que a leitura deixe de ser obrigação escolar ou de trabalho e torne-se fonte de conhecimento e prazer.

Condição para o diálogo

Ano a ano melhoramos nossos índices de alfabetização e não são poucos os que se dedicam a erradicar o analfabetismo, empecilho do crescimento pessoal e profissional do cidadão brasileiro.

A educação é o eixo de sustentabilidade em que empresas mais depositam seus investimentos sociais no país. Tais iniciativas ganham corpo e alcance com a adesão de voluntários, muitos deles funcionários dessas empresas, e com a divulgação de campanhas nos meios de comunicação.

Mas, tudo isso ainda parece insuficiente diante das imensas carências da população que, por sinal, não são exclusivas do Brasil. Como bem disse Irina Bokova, diretora-geral da Unesco em mensagem alusiva ao Dia Internacional da Alfabetização: "Direito básico e essencial para o desenvolvimento humano, a alfabetização é a primeira condição para o diálogo, a comunicação e a integração em novas sociedades conectadas. No século 21, mais do que nunca, a alfabetização é a pedra angular para a paz e o desenvolvimento".

Em uma população mundial estimada em 7,2 bilhões de pessoas, 25% do total de adultos e jovens não sabem ler, nem escrever. Dois terços desse percentual são mulheres, o que, mais uma vez, configura grande desigualdade entre os gêneros.

Alfabetismo funcional

No Brasil, apesar da redução no número de analfabetos, sérios desafios ameaçam o abecedê dos cidadãos. Temos um número significativo de analfabetos funcionais, pessoas que aprenderam a ler e escrever seus nomes, mas que não alçaram progressos maiores. Não sabem fazer operações matemáticas básicas, o que caracteriza falta de raciocínio, têm grande dificuldade para ler e, pior, são incapazes de entender, interpretar e contar o que leram com suas próprias palavras.

Entre os mais escolarizados, a questão é igualmente preocupante. O Inaf, Indicador do Alfabetismo Funcional (2011/2012), produzido pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa, divulgou em julho de 2012 que apenas 35% das pessoas com ensino médio completo podem ser consideradas plenamente alfabetizadas e 38% dos brasileiros com formação superior têm nível insuficiente em leitura e escrita. Ou seja, o pessoal tem diploma, mas não tem conteúdo.

Reverter esse quadro na idade adulta é possível, mas depende, e muito, da força de vontade de cada um. A leitura em voz alta de uma a duas páginas de livro por dia, todos os dias, é recomendável para quem quiser tentar.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.