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O importante é ter banheiro

Lucila Cano

15/11/2013 06h00

Ter um banheiro, ou mais de um, conta pontos na indicação da classe econômica de um indivíduo. Quem trabalha com pesquisa de mercado sabe disso e utiliza critérios rígidos para elencar os consumidores em classes A1, A2, B1, B2, C e assim por diante.

O banheiro é um dos componentes dessa classificação. Mas, atenção, banheiro coletivo não vale. Outro aspecto a considerar, de acordo com a Abep (Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa): “O que define o banheiro é a existência de vaso sanitário”.

A relevância do banheiro na vida de uma pessoa faz sentido. Segundo Mark Neo, embaixador de Cingapura na ONU, cerca de 2,5 bilhões de pessoas no mundo não dispõem de serviços sanitários adequados, o que corresponde a praticamente 1/3 da população global. Delas, 1,1 bilhão fazem suas necessidades ao ar livre.

A ONU acatou a proposta desse embaixador e declarou que o dia 19 de novembro passaria a ser lembrado como Dia Mundial dos Banheiros, de maneira a fazer com que governos tomem medidas urgentes para solucionar a crise de saneamento no mundo.

100 milhões sem saneamento

Um banheiro com vaso sanitário, como especifica a Abep, é item de higiene essencial para barrar a proliferação de doenças que atingem principalmente as crianças. A diarreia por ausência de higiene é a segunda causa de morte entre as crianças.

Em 19 de novembro de 2012, a EBC (Empresa Brasil de Comunicação) veiculou notícia sobre a situação de mulheres na África Subsaariana, de acordo com estudo da organização internacional WaterAid, sobre a falta de banheiros. Em determinado trecho, lê-se: “Sete em cada dez mulheres na África Subsaariana não têm acesso a um banheiro seguro, o que ameaça a saúde e as expõe à vergonha e à violência”.

Mais adiante, o texto relata depoimentos de mulheres, como o de uma moçambicana de 18 anos que, todos os dias, caminha 15 minutos para ir até uma área de arbustos e lá fazer o seu “banheiro”. Segundo o estudo, em condição semelhante, mulheres já foram assediadas e molestadas.

No Brasil, a falta de saneamento básico atinge mais da metade da população, fragiliza a saúde das pessoas e as impede de viver uma vida mais digna e produtiva.

Em entrevista à revista IHU Online, do Instituto Humanitas, da Unisinos (RS), em outubro deste ano, Édison Carlos, presidente executivo do Instituto Trata Brasil, declarou que a coleta de esgotos chega a 61,40% da população nas 100 maiores cidades e a 48,1% no país, o que significa que mais de 100 milhões de brasileiros não possuem esse serviço.

Esses percentuais estão no Ranking do Saneamento elaborado pelo instituto com base em dados de 2011 fornecidos pelo SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento) do Ministério das Cidades.

Um plano para poucos

O governo federal instituiu um programa para oferecer saneamento básico a todos os brasileiros até 2033. É um projeto para 20 anos que tem o nome de PLAN SAB (Plano Nacional de Saneamento Básico) e sérios desafios pela frente. Um deles é o investimento. Para o presidente do Instituto Trata Brasil, o país precisaria de R$ 302 bilhões para obras de água e esgotos em dotações anuais de R$ 15 bilhões a R$ 16 bilhões, sendo que o investimento atual não passa de R$ 9 bilhões.

Outro desafio está nos municípios. O PLAN SAB exige que as prefeituras entreguem um plano de saneamento até dezembro deste ano para receberem recursos federais para saneamento em suas cidades. Notícia da Agência Brasil (03/11) diz que apenas 30% das 5.570 prefeituras brasileiras devem concluir o Plano Municipal de Saneamento Básico em 2013, como previsto por lei de 2007.

Os maiores entraves, segundo a notícia, são a falta de recursos das prefeituras e de mão de obra capacitada para desenvolver o plano.

Ou seja, nesta segunda década do século 21, 70% das nossas prefeituras não têm quem saiba fazer, nem dinheiro para pagar um fornecedor externo que lhes faça um plano. Haveria outra maneira de levar o saneamento a quem precisa?

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.