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Entre símbolos

26.jan.2014- Uma pomba que foi solta por crianças ao lado do papa Francisco durante a oração do Angelus, no Vaticano, foi atacada por uma gaivota na praça de São Pedro. As pombas foram soltas enquanto o papa disse que estava rezando pelas vítimas da violência na Ucrânia - Alessandro Bianchi/Reuters
26.jan.2014- Uma pomba que foi solta por crianças ao lado do papa Francisco durante a oração do Angelus, no Vaticano, foi atacada por uma gaivota na praça de São Pedro. As pombas foram soltas enquanto o papa disse que estava rezando pelas vítimas da violência na Ucrânia Imagem: Alessandro Bianchi/Reuters
Lucila Cano

31/01/2014 14h14

Duvido que alguém (daqueles que viram, é claro) não tenha ficado chocado com a foto de uma gaivota e um corvo abocanhando pombos que duas crianças soltaram da janela do papa Francisco no Vaticano.

É em um momento desses que aquela famosa frase da “imagem que fala mais do que mil palavras” bate forte em quem escreve.  

O papa havia falado de paz, tema recorrente de suas aparições dominicais, em decorrência de uma guerra que parece não ter fim na Síria e, mais recentemente, dos conflitos que tomaram as ruas da Ucrânia. Nada mais adequado do que soltar pombos. Eles simbolizam a paz na sociedade ocidental e o Espírito Santo na religião católica.

Como um corvo e uma gaivota se atreveram a interromper o voo dos pombos com violência e, pior, assustando a todos com o contraponto da paz? Sim, porque da mesma maneira com que o pombo é associado à pureza e ao bem, o corvo ficou com o papel de vilão da história, aquele que se refestela na carniça. Quanto à gaivota, não sei qual é a sua simbologia. Sei apenas que, em parceria com o corvo, ela frustrou uma expectativa de paz.

Ratos de asas

Além da responsabilidade pelo simbolismo religioso e social, pombos também se tornaram heróis de guerra. Durante a Segunda Guerra Mundial, pombos-correio prestaram relevantes serviços aos exércitos aliados. 

No entanto, nas áreas urbanas, pombos são conhecidos como ratos de asas, pois são transmissores de muitas doenças. Aqueles que só enxergam o simbolismo nos pombos contribuem para que eles invadam o espaço das cidades. Atraídos pela fartura de grãos e farelos de pão, os pombos não temem a proximidade humana. 

As doenças decorrentes desse convívio ocorrem principalmente por bactérias e fungos. O ar que respiramos pode ter partículas de fezes ressecadas dos pombos. Elas são carregadas pelo vento e, assim, estamos sujeitos a contrair viroses não identificadas, além de doenças mais sérias, como a toxoplasmose, que provoca cegueira e pode ser fatal.

Onde há pombos, há uma sujeira encardida, que penetra no chão, em beirais, muros e sacadas.  Por isso, eles devem ser afastados por medidas práticas e possíveis. Uma delas é deixar de alimentá-los. Outra medida é a limpeza. É preciso lavar muito bem as áreas visitadas pelos pombos.

A ideia de acabar com eles está fora de cogitação. Pombos são considerados animais silvestres e, portanto, estão protegidos por lei (9.605/98). É melhor mantê-los a distância e já teremos feito muito por eles e por nós.

Vida afora

O corvo é considerado ave inteligente e talvez por isso tenha sido personagem de fábulas que, a despeito da feiúra, exaltam a sua esperteza. Apesar disso, um de seus papéis mais marcantes foi justamente mostrar-se tolo de arrogância em uma das fábulas de Esopo. Uma raposa ladina o bajula, lhe passa a perna e leva o seu queijo. Moral da história: o corvo, por sua compleição física carregada de simbologia, foi chamado a encenar vários papéis, nem todos favoráveis à sua inteligência.

Com a inspiração de Edgar Allan Poe, o corvo encarnou poema famoso em torno do sentido da morte. Vida afora, ele se mantém no universo artístico, com passagens pelo cinema, em peças de teatro e no imaginário popular.

Corvos e urubus são diferentes. Sempre que vou ao parque com meu irmão, ele, que é muito mais conhecedor de aves, me explica as diferenças. Parece que urubu a gente só tem nas Américas, enquanto corvos vivem no Velho Mundo. De qualquer maneira, meu irmão diz que ambos são muito úteis, porque a Natureza também precisa de lixeiros.

Deixei a gaivota de fora desta história, a despeito do espetacular balé aéreo para capturar suas presas. Para mim, no cenário da simbologia, ela perde feio para pombos e corvos. Tanto que, a primeira coisa que me ocorreu diante da foto macabra foi segurar firme a correntinha do Espírito Santo. A paz precisa ser levada mais a sério pelos homens e pela própria Natureza. 

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.