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Inteligência e sensibilidade

Lucila Cano

02/05/2014 06h00

O Brasil já discutia o preconceito contra os jogadores Tinga e Arouca e contra um árbitro, no Rio Grande do Sul, quando a FACHA (Faculdades Integradas Hélio Alonso), do Rio de Janeiro, convidou o professor Jeremi Duru para palestrar sobre sua pesquisa de inclusão social de negros pelo esporte.

O Duru leciona direito no Washington College of Law da American University. É pesquisador da Fundação Fullbright e uma autoridade em Direito Esportivo nos Estados Unidos.

A presença dele no Rio de Janeiro coincidiu com o episódio da banana que o jogador Daniel Alves, do Barcelona, tirou de letra, com inteligência e sensibilidade.

Antes disso, eu havia enviado as questões a seguir ao professor Duru, que gentilmente me atendeu por e-mail: 

Lucila Cano: É possível acabar com o preconceito racial?

Professor Jeremi Duru: As noções preconcebidas de raça estão entranhadas na sociedade. A chave para desarraigá-las é a comunicação. Precisamos reconhecer e aceitar essas diferenças e confrontar a realidade de que o racismo existe. Quando pudermos falar francamente sobre a opressão racial do passado e o desacordo racial do presente, estaremos dando um grande passo para deixar o preconceito racial para trás. Estamos em situação melhor do que há um século. Acredito que daqui a um século estaremos muito melhor.

Lucila: Onde o preconceito está mais presente, na competição ou na plateia?

Duru: Creio que na plateia. Às vezes, há incidentes de racismo em campo, mas nada une mais os atletas e vence barreiras raciais do que o esporte. No campo, depois de uma competição dura, se você suou, chorou, ganhou e perdeu com um companheiro de outra cor ou raça, é mais fácil ver o jogador adversário dessa raça como ser humano e um colega atleta. Na arquibancada não há esse respeito saudável. O torcedor talvez nunca tenha tido uma amizade próxima e forte com uma pessoa de outra raça ou cor. Por isso, é mais provável que tenha preconceitos.

Lucila: Quais são os principais pontos da sua pesquisa?

Duru: O ponto principal é que o esporte é mais que um jogo. O esporte é um reflexo da sociedade e também um fator de formação social. Muitas vezes, a sociedade segue para onde o esporte aponta. Se pudermos resolver o problema do racismo no esporte, estaremos melhor equipados para resolvê-lo na sociedade. Outra questão é que nossas abordagens intelectuais na maioria das vezes estão separadas por fronteiras nacionais. Não temos o costume de atravessar essas fronteiras e nossa zona de conforto para pensar como outros povos encaram seus problemas. Por isso, fico feliz de estar aqui. Espero descobrir tanto quanto for possível sobre a interseção de esporte e raça no Brasil, para que possamos aprender com isso, nos Estados Unidos.

Lucila: Por que é mais fácil incluir o negro na sociedade através do esporte?

Duru: Acho que isso se dá porque o esporte tem muita evidência. São tantas as pessoas acompanhando, que qualquer avanço social positivo no esporte fica visível. Outro motivo é que o esporte – pelo menos mais do que a maioria dos setores da sociedade – tem meritocracia. Se você é um bom jogador, as pessoas vão perceber e você terá oportunidades no esporte que são visíveis para o restante da sociedade e que podem gerar outras oportunidades em outros setores da sociedade.

Lucila: O que o levou a pesquisar o tema?

Duru: Eu adoro estudar questões de justiça social e adoro estudar o esporte. Conseguir juntar os dois estudos é como um sonho para mim. Mas, além da satisfação pessoal, sou inspirado pelo poder do esporte. Talvez a forma mais eficiente de mudar a sociedade seja através do esporte, por causa da grande visibilidade.

Lucila: Quando iniciou sua pesquisa e que rumos indica para o combate ao preconceito?

Duru: Estou neste trabalho há 10 anos e tive a sorte de apresentá-lo e estabelecer intercâmbio intelectual em muitos lugares. Penso que o principal é que a gente nunca desista. Devemos enfrentar as questões em vez de fugir. O diálogo franco e o esforço contínuo são fundamentais para evoluirmos para um mundo menos preconceituoso.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.