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Ano novo sem fome

Lucila Cano

24/12/2014 09h00

Na escala de desejos pessoais e coletivos para um ano novo mais feliz, a erradicação da fome é pedido antigo, não de todo satisfeito, mas não preterido. O Brasil e mais um punhado de países têm se empenhado no combate à fome. O reconhecimento público foi organizado pela FAO, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, em 30 de novembro passado.

Mas, se assim é, por que alguns dias depois, em 18 de dezembro, fomos surpreendidos com a notícia de que 7,2 milhões de brasileiros enfrentaram situação grave de privação de alimentos, ou seja, fome, em 2013?

A informação veio da Pnad, a Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílios de 2013 sobre Segurança Alimentar, realizada pelo IBGE em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e assustou muita gente.

No entanto, em comparação com os resultados de 2009 da mesma pesquisa, houve avanço significativo no combate à fome. Naquele ano, 5% dos domicílios foram enquadrados na categoria insegurança alimentar grave. Em 2013, os 7,2 milhões de pessoas nessa situação corresponderam a 3,2% dos domicílios analisados.

Prestígio internacional

Na cerimônia de premiação dos países que mais se sobressaíram na luta contra a fome, o brasileiro José Graziano, diretor da FAO, lembrou que 805 milhões de pessoas no mundo ainda sofrem de desnutrição crônica. Segundo ele, “é necessário melhorar a qualidade e eficiência dos sistemas alimentares, promover o desenvolvimento rural, aumentar a produtividade, aumentar a renda rural, melhorar o acesso aos alimentos e reforçar a proteção social”.

As metas para a erradicação da fome no mundo são desafiadoras. Por isso, o prestígio conquistado com o reconhecimento da FAO é um estímulo para que muitos países continuem na trilha de combate e sirvam de exemplo para outros tantos onde a miséria prevalece.

Brasil, Camarões, Etiópia, Gabão, Gâmbia, Irã, Kiribati, Malásia, Mauritânia, Ilhas Maurício, México, Filipinas e Uruguai compõem a lista dos premiados pela FAO, sendo que Brasil, Camarões e Uruguai se destacaram por cumprir antecipadamente este ano duas metas propostas para até 2015: a do Objetivo do Milênio 1, de reduzir pela metade a proporção de pessoas com fome, e a da Cúpula Mundial da Alimentação, de reduzir pela metade o número absoluto de pessoas com fome.

O prato nosso de cada dia

A Pnad constatou que o alimento é mais ralo primeiro no Nordeste (em 38,1% dos domicílios). Depois, e na sequência, aparecem o Norte (36,1%); Centro-Oeste (18,2%); Sul (14,9%); e Sudeste (14,5%).

Nesse mapa das regiões, os moradores das áreas rurais são os mais atingidos pela escassez de alimentos, na contramão da lógica. Aqueles que teoricamente são responsáveis pela produção de alimentos são os que mais se ressentem da sua falta no prato de cada dia. Tanto, que a Pnad apurou que 35,3% das moradias de áreas rurais foram castigadas pela insegurança alimentar enquanto a mesma situação nas áreas urbanas atingiu 20,5% das moradias.

Nesta época de festas de final de ano, na qual renovamos votos de dias melhores, sugiro acrescentarmos à lista de pedidos não só o combate à fome, através de políticas ainda mais efetivas, mas também a conscientização de todos nós. Precisamos, com urgência, evitar o desperdício em todas as fases da produção alimentícia: na colheita, no transporte, no armazenamento, no preparo e no descarte de alimentos.
Enquanto ambientalistas afirmam que anualmente consumimos um planeta e meio a mais do que a Terra pode nos proporcionar, a fome é um desafio permanente. O desperdício também. Espero que, para um ano novo sem fome, logo surjam alternativas legais e regulamentações adequadas para que supermercados e restaurantes deixem de jogar toneladas de alimentos no lixo todos os dias.

Poucas ONGs já cuidam de recolher e distribuir alimentos ainda em boas condições de consumo a instituições assistenciais. Essa prática deveria ser ampliada.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.