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A carta e outras coisas mais

Lucila Cano

23/01/2015 06h00

Dias antes do Natal, recebi pelo correio um cartão do amigo Paulo, que mora em Londres. Todo ano fico na expectativa do cartão que ele envia. Um é sempre mais lindo que o outro e todos me passam a sensação de que ele procurou muito até encontrar alguma coisa significativa para compartilhar com os amigos.

Não pense o leitor que o Paulo é das antigas. Ao contrário, ele usa e abusa das redes sociais, do WhatsApp, do Skype e demais recursos tecnológicos à disposição. Mas, para ele, o cartão impresso é uma gentileza insubstituível.

Semana passada, também pelo correio, chegou uma carta da prima que mora em um bairro da Zona Norte, em São Paulo, e com a qual falo regularmente pelo telefone. Ela usou o recurso da carta para fazer um desenho (ela pinta e borda, sem trocadilho), transcrever um longo poema de Vinicius sobre a amizade e desejar Feliz Ano Novo.

Identidade

É bom saber que uma carta ainda tem identidade e força de expressão. Talvez por isso, nas livrarias, as opções de obras que registram trocas de cartas entre personalidades do passado e até do presente são cada vez mais numerosas.

A curiosidade pelo que se passa na vida dos outros é pouco para explicar a atração pelas cartas. Elas trazem consigo fragmentos de épocas, dos momentos históricos em que foram escritas e, como pequenas crônicas, não revelam intimidades apenas, mas comportamentos, estilos de escrever e de viver.

Cartas são documentos valiosos para biografias e perfis históricos, como o que leio agora: “O amigo americano – Nelson Rockefeller e o Brasil” (Companhia das Letras), de Antonio Pedro Tota.

O autor é doutor em história pela USP e professor titular de história contemporânea na PUC-SP. Seu relato é agradável e prende a atenção do leitor para a história das relações entre Brasil e Estados Unidos, por meio da trajetória de vida de Nelson Rockefeller. Os trechos de cartas reproduzidos no livro enriquecem o conteúdo e aguçam a vontade de saber mais sobre um período recente da nossa história.

Busca de conhecimento

Li, outro dia, que ao contratar canais de TV paga, uma parcela significativa dos assinantes prefere os estrangeiros aos nacionais, com certa predominância dos noticiários.

Alguns dos meus amigos se incluem nesse grupo por um motivo muito simples: aperfeiçoar o conhecimento de idiomas, aumentar o vocabulário, exercitar a pronúncia.

Eu, que sou mais de escrever do que de falar e, portanto, mais de ler, escolhi melhorar o meu francês com a ajuda do correio, mas via internet e, maravilha, sem pagar nada por isso. Sou assinante de uma das coisas mais charmosas (para quem gosta de literatura) que a França poderia criar: a revista literária Florilettres que mensalmente recebo do correio francês (www.fondationlaposte.org).

A revista vem recheada de informações sobre livros, entrevistas com críticos e autores e cartas, muitas cartas trocadas por personagens conhecidos e outros, nem tanto. Nem todos, expoentes da literatura, e nem todos franceses, mas figuras que fizeram história, como o cineasta Georges Méliès, homenageado por Martin Scorsese no filme “A invenção de Hugo Cabret”, o qual recebeu vários “Oscars” em 2012. Da lista, cito Winston Churchill, Sigmund Freud, Mozart, o dramaturgo irlandês Samuel Beckett, Dostoievski.

Para encerrar, observei o óbvio nas entrevistas que li com alguns dos jovens que tiraram nota máxima na prova de redação do Enem: eles leem, não necessariamente os “clássicos”, mas leem. Meu sobrinho Vinicius, por exemplo, acabou de ler 400 páginas da autobiografia de Eric Clapton e já partiu para um título dos muitos de Caco Barcellos, um dos nossos melhores jornalistas.

Junto à leitura, então, por que não reavivar o hábito de escrever cartas, seja na escola, seja entre amigos, seja no papel, seja no meio eletrônico? Talvez ajudasse a aumentar o número de estudantes “nota mil”.

*Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.