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Ouvir para entender

Lucila Cano

06/03/2015 06h00

Assim como a deficiência visual, a má audição pode ser um dos fatores do fraco desempenho de crianças nas escolas. Ambos os problemas passam despercebidos nos primeiros anos de vida, embora haja testes de avaliação da saúde dos recém-nascidos.

O teste da “orelhinha” é obrigatório desde 2011 e pode diagnosticar se um bebê nasceu com algum tipo de deficiência auditiva. Esse procedimento é fundamental para garantir a eficácia de tratamentos e permitir que a criança cresça bem e integrada ao meio social.

A incidência de surdez entre os idosos é crescente, mas é um erro supor que ela se manifeste apenas na velhice.  O Censo de 2010 apurou que cerca de um milhão de deficientes auditivos são crianças e jovens de até 19 anos. Muitos deles, provavelmente, já são portadores de distúrbios auditivos desde o nascimento.

Nas salas de aula, a surdez pode significar desatenção, isolamento e baixo aproveitamento. Passado algum tempo, esses comportamentos se revertem em desânimo, repetência e até em abandono da escola.

Como se não bastasse essa carga de fatores a comprometer o desenvolvimento de uma criança, não podemos esquecer que, na nossa pobre realidade, qualquer tipo de deficiência coloca o seu portador a um passo do “bullying”.

Ler em voz alta

O brasileiro participa mais de eventos literários e compra mais livros. No entanto, o hábito de leitura em qualquer faixa etária ainda deixa a desejar. De alguma maneira, a leitura ficou associada à obrigatoriedade dos livros didáticos.

Com isso, muita gente já formada, inclusive ocupando altos cargos públicos, tem dificuldade para ler, falar e se expressar.

O hábito da leitura é essencial e as crianças deveriam ser mais e mais incentivadas a ler em voz alta, seja na escola, seja em casa, com uma participação mais efetiva dos seus familiares.

Quem ouve o que lê entende melhor e raciocina melhor. Além de facilitar a identificação de algum problema auditivo, a leitura em voz alta pode fazer parte de uma brincadeira e, assim, ajudar na retomada pelo prazer de ler.

Uma roda de leitura, na qual cada um lê um trecho em voz alta, pode ser muito divertida. Cada leitor pode relatar ou interpretar o que entendeu com suas próprias palavras, ou, ainda, criar em cima da história, inventando como poderia ser o próximo trecho da obra.

A prática é o segredo dos bons resultados. Há exercícios interessantes para melhorar a leitura e aproximar as pessoas através dos sons. Por sinal, desde o berço a música também é um bom caminho para despertar as pessoas para a vida.

Identificar e cuidar

Na vida adulta, os problemas de audição não detectados na infância se agravam. A exclusão do convívio social é o pior deles. No trabalho, as oportunidades de uma boa colocação são reduzidas. A surdez compromete o rendimento da pessoa e faz dela uma vítima potencial de acidentes que poderiam ser evitados.

Como seria de se prever, o Censo de 2010 também apontou que o maior número de deficientes auditivos está concentrado nas áreas urbanas. Seriam cerca de 6,7 milhões de pessoas para um total de quase 10 milhões de portadores de algum tipo de deficiência auditiva identificados na época.

A previsibilidade decorre de dois fatores conhecidos: mais de 84% da população brasileira vivem nas cidades e todos são cada vez mais afetados por poluição sonora de toda ordem e a toda hora.

Pais e professores devem estar atentos ao comportamento das crianças. Nas empresas, para a tranqüilidade dos colaboradores e delas próprias, campanhas de prevenção de doenças e exames periódicos deveriam incluir cuidados com a audição.

O Brasil conta com médicos especialistas de qualidade e o mercado oferece aparelhos modernos, quase imperceptíveis, embora caros, para quem enfrenta os distúrbios da surdez. Mas, a falta de recursos, as dificuldades de adaptação e o preconceito dos próprios usuários ainda deixam muita gente surda e muda.

*Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.