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No curso da água

Lucila Cano

20/03/2015 06h00

Cientistas festejam os mínimos indícios da existência de água nas recentes descobertas de planetas. Mesmo que esses sejam os chamados exoplanetas, aquém do nosso sistema solar e bem mais distantes dos sonhos de exploração acalentados por aqui.

De certa maneira, a aventura espacial repete aquela dos navegadores europeus que em séculos passados lançavam-se ao mar em busca de riquezas e especiarias. Mudam o cenário, as incertezas e os objetivos. Agora, os navegadores partem para o espaço e a água lidera a lista de ambições.

Como já escrevi em outras oportunidades, neste domingo, 22 de março, comemoramos o Dia Mundial da Água, instituído pela ONU em 1993. Vinte anos depois, e em registro à passagem desse dia, Ban Ki-moon, Secretário Geral da organização, alertou que até 2030 quase metade da população global terá problemas de abastecimento de água.

Falta de água e de banheiro

Em seu pronunciamento de 2013, o representante da ONU fez questão de frisar a interdependência de água e saneamento, ressaltando que 2,5 bilhões de pessoas no mundo não tinham acesso a um banheiro e que o custo disso correspondia à morte de 4.500 crianças diariamente, afora outros prejuízos materiais. Os números não devem ter mudado muito desde então.

Por ocasião do Dia Internacional da Mulher no início deste mês, a Wateraid divulgou que doenças relacionadas à água suja e falta de banheiros seguros causam mais mortes de mulheres no mundo que diabetes, AIDS e câncer de mama. A ONG britânica trabalha para melhorar as condições de saneamento na África e pautou-se em informações do Institute of Health Metrics (Instituto de Métricas da Saúde), dos Estados Unidos. Concluiu que quase 800 mil mulheres morrem todos os anos por falta de água limpa e banheiros seguros.

Separados da África por um oceano, não estamos imunes às mazelas que afligem os habitantes daquele continente. Entre nós, saneamento continua sendo um caso sério em todo o país. Quanto à escassez de água prevista para 2030, já começamos a sentir a boca seca faz tempo.

A Agência Nacional de Águas (ANA), da qual tanto ouvimos falar de 2014 para cá, em função da forte estiagem que reduziu o nível de reservatórios e de rios, foi criada em 20 de dezembro de 2000, com a missão de definir a política nacional de recursos hídricos e seu gerenciamento. Na época, enfrentar as secas no Nordeste e a poluição dos rios que correm próximos aos grandes centros urbanos encimava a lista de desafios a superar.

Portanto, os problemas que as populações enfrentam hoje no Brasil e no mundo não são novidade para ninguém, a não ser pelo seu agravamento ano após ano.
Reações imprevisíveis

O dito de que o pior inimigo do homem é o próprio homem serve para a questão da escassez de água no mundo segundo especialistas. Isso significa que fazemos uso inadequado da água, não apenas pelo desperdício, mas pelos maus tratos que causamos a ela.

Desequilíbrio talvez seja a palavra que melhor explique essa relação. Em equilíbrio, cada elemento da natureza contribui para que o ciclo da vida se renove. A água que flui dos aquíferos subterrâneos para as nascentes e que se espalha por córregos, cachoeiras e rios depende da boa qualidade do solo, que se mantém úmido e permeável pela ação de raízes de plantas e árvores. Assim, quando chove, a água é reabsorvida e volta para os aquíferos. O ciclo parece simples e aprendemos isso na escola. No entanto, quando a ação humana interfere no caminho dos rios, abate a floresta e a diversidade de animais que a mantém viva, e segue produzindo emissões descontroladas de gases poluentes e lixo, as reações climáticas tornam-se imprevisíveis.

Em uma visão positiva dos fenômenos de excesso e de escassez que presenciamos no presente, tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo, tais reações devem apressar a proposta de soluções para uma retomada do equilíbrio. Aguardemos.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.