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Reinações monstruosas

Lucila Cano

21/08/2015 06h00

Todos os dias os serviços meteorológicos alertam para as alterações climáticas que, neste ano de 2015, nos castigam duramente.

Falar em alterações até parece irônico, porque o que ouvimos nos boletins do tempo e passamos em nosso dia a dia mais parece repetição de uma história velha conhecida.

O inverno chegou com muita chuva nos extremos do país e clima seco, quente, em quase todas as demais regiões. O sol forte e o céu azul sem nuvens são bem-vindos por aqueles que moram à beira-mar e podem se beneficiar de uma brisa para amenizar o calor. Mas, para quem está distante da água, a situação se agrava a cada novo dia sem chuva.

A culpa é de El Niño, dizem os meteorologistas. Eles explicam que o fenômeno que nos ataca ano sim ano não chegou com mais força e deve se alojar entre nós durante vários meses. Ouvi, inclusive, que El Niño está muito mais forte do que sempre experimentamos e já vem sendo chamado de El Niño Godzila.

Era só o que nos faltava para fazer de 2015 um ano inesquecível: associar a imagem de um menino rebelde à de um monstro para acabar com a nossa alegria e nos avisar que a situação é séria.

Além disso, não esqueçamos, há as queimadas que se intensificam nesta época, ano após ano.

Até quando nos submeteremos aos danos ambientais sem que nada se faça para minimizá-los?

O que não queremos por aqui

Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 7 milhões de pessoas morreram em 2012 em decorrência da poluição atmosférica. De acordo com essa estimativa, o ar poluído é responsável por uma de cada oito mortes no mundo.

A China é exemplo do que não queremos por aqui. A maior população mundial também é a maior vítima da poluição atmosférica que produz. Doenças provocadas ou agravadas pela poluição matam perto de 1,6 milhão de pessoas por ano.

A marca diária, portanto, é superior a 4 mil mortes. Não são apenas vidas desperdiçadas por causa da poluição. A morte provoca gastos materiais que se avolumam em progressão geométrica e atingem as estruturas sociais e de saúde pública.

Se a queima de carvão, a queima dos combustíveis fósseis e a consequente concentração de CO na atmosfera são mortalmente prejudiciais aos humanos, a poluição de resíduos plásticos nos rios e oceanos igualmente sufoca animais e plantas.

O resultado dessa desorganização ambiental é que estamos fadados a morrer de progresso.

Sair da imobilidade

Não podemos nos esquecer que enquanto países como Estados Unidos e China foram apontados como os grandes vilões do meio ambiente, países em desenvolvimento, como o Brasil, ficaram livres para poluir cada vez mais. Isso, após sucessivas conferências em defesa do meio ambiente desde os anos 1990.

A próxima Conferência Mundial do Clima, a realizar-se em Paris entre o final de novembro e dezembro deste ano, promete soluções comuns a todos os países para que haja uma drástica redução dos gases de efeito estufa na atmosfera. No entanto, se aprovadas, as medidas saneadoras só entrarão em prática em 2020.

O tempo não tira o mérito da iniciativa, mas não podemos ficar parados por cinco anos, aguardando que resultados venham de governos. A responsabilidade é de todos e toda iniciativa, mesmo que pareça insignificante, é importante, e se soma a outras, e produz efeitos positivos.

Precisamos repensar a forma de progredir, criar novos usos, adotar novos hábitos, produzir menos lixo e dar uma destinação correta ao que produzimos. O país que comemora a momentânea redução de desmatamento na Amazônia deveria liderar todas as frentes em defesa do meio ambiente. Ainda somos os detentores das maiores reservas florestais do mundo. Temos patrimônio para nos alçar a essa posição. Mas, parece, não temos juízo.

Quando as florestas não são derrubadas pela marcha do progresso tradicional, elas ardem em queimadas provocadas por uma prosaica bituca de cigarro. É o que ocorre neste ano de El Niño Godzila e suas reinações monstruosas.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.