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Por que ler

Lucila Cano

30/10/2015 06h00

Alguém já disse, e muitos repetem, que o melhor caminho para escrever bem é ler. Verdade absoluta, pois à medida que avançamos nas leituras, viajamos por um mundo de assuntos inesgotáveis, incorporamos vocabulário e estilos narrativos, descobrimos a gramática posta em prática. Todos, instrumentos perfeitos para que nos municiemos para a escrita.

Ler estimula o funcionamento do cérebro, como se fosse uma ginástica, um exercício. Assim, entendemos melhor o que está escrito e ficamos à vontade para questionar, concordar ou discordar do texto que acabamos de ler. Dessa maneira, pouco a pouco, do mesmo jeito que evoluímos no condicionamento físico, também nos sentimos aptos a formular nossas próprias ideias, falar bem e escrever.

E para que serve tanto exercício? Certamente não só para passar em concursos públicos ou fazer a redação do Enem. Isso é muito pouco para um ser humano que em todas as fases de sua vida será exigido a participar de maneira ativa do mundo em que vive e interage com outras pessoas.

E, mesmo que náufrago em uma ilha, como o Tom Hanks do filme em que contracena com uma bola (isso é que é merchandising), quem lê mais terá mais facilidade de acessar sua bagagem de conhecimentos em busca de soluções para circunstâncias críticas.

O medo de escrever

Nossa formação cultural endeusa certas profissões, ao mesmo tempo em que tolhe sonhos. Por motivos que não sei explicar, muitos de nós trazem consigo o medo de errar. Isso era mais fácil de se entender em outras épocas, quando o estudo era imposto e algumas profissões eram obrigatórias, embora a contragosto da maioria dos filhos de pais médicos, advogados e engenheiros.

Atualmente, temos acesso ilimitado a outras leituras, além dos livros. Gibis, jornais, revistas, sites, blogs e mensagens nas redes sociais não substituíram os livros, mas vieram somar informação em múltiplas formas de apresentação.

No íntimo, todos nós temos plenas condições de observar e relatar fatos, contar histórias, descrever uma situação. As amigas que comentam o capítulo da novela mal sabem que poderiam escrever o que falam e, assim, fazer uma crítica. O jovem que troca mensagens cifradas pelo celular exerce a síntese e até poderia se arriscar em um concurso de contos de poucas palavras.

É certo que antes dos recursos da tecnologia, todos nos apegávamos mais ao papel e caprichávamos no conteúdo e na caligrafia de cartas, postais, bilhetinhos. Agora, com tantas fontes de saber disponíveis, precisamos apenas perder o medo de escrever. Como? Lendo. E, depois, escrevendo, relendo o que escreveu, escrevendo de outro jeito e lendo novamente, até se dar por satisfeito. Ou seja, praticar, exercitar a escrita.

Parece difícil, mas não é, basta querer. Aprender a consultar um dicionário (pode ser o da internet, sem dúvida) também ajuda. Porque ler ou escrever um texto sem saber o que significa algum termo é andar para trás, é desaprender.

Poesia na Bienal

A mais recente Bienal do Livro do Rio de Janeiro voltou-se para o jovem, tratou da Educação, da criatividade e da formação de jovens leitores. Recebeu escritores jovens e abriu espaço para a poesia.

Lembro de um grupo de poetas, de atividades, profissões e idades diferentes que mostraram seus escritos na Bienal, com a alegria de poder expressar os seus sentimentos, suas visões da vida. Uma verdadeira celebração pelo prazer da leitura.

Como se não bastasse o prazer, sempre é bom lembrar que a leitura nos modifica. Ela não nos transforma em escritores, mas em seres humanos com maior capacidade para ouvir e entender. Ela nos permite distinguir e escolher nosso próprio caminho. Amplia horizontes e abre fronteiras por onde passamos a conduzir, em vez de sermos conduzidos. Assim, de posse de tantas propriedades, é a leitura que nos eleva para novos propósitos e nos dá uma grande certeza: para quem lê não existem retrocessos.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.