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Uma razão para doar

Lucila Cano

04/12/2015 06h00

A proximidade do Natal e o final de mais um ano no calendário cristão fazem do mês de dezembro ocasião propícia para as práticas solidárias. Doar é a palavra de ordem no mês vigente. O que doar em ano de crise é a questão que se coloca para a maioria das pessoas.

Nos Estados Unidos, uma boa ideia deu origem à "Giving Tuesday", a "Terça-feira de doar", logo após o Dia de Ação de Graças. O movimento conquistou adeptos no Brasil e nossa terça-feira de doar caiu no 1º de dezembro deste ano. Coincidentemente, este também é O Dia Mundial da Luta contra a AIDS, instituído pela OMS no final dos anos 1980.

Caminhamos mais duas casas no calendário e eis que surge outra data emblemática. Todos os anos, a ONU nos lembra que 3 de dezembro é Dia Internacional da Pessoa com Deficiência.

A despeito do rol de datas e da importância dos lembretes, uma coisa é certa: doar depende única e exclusivamente da vontade de cada indivíduo e não há nem dia, nem hora especial para isso.

O que doar

Os problemas financeiros que empobreceram a vida de empresas e pessoas no país também atingiram as instituições assistenciais, inclusive algumas mais antigas, mais conhecidas e até então mais amparadas por grandes empresas.

É natural que diante desta situação dinheiro seja o bem que todos mais precisam. No entanto, o ato de doar é muito mais abrangente. Envolve uma atitude favorável por uma causa e se manifesta das mais diversas formas.

Se o leitor tem condição de doar algum dinheiro, ou qualquer outro item material, como brinquedos e roupas - muito comuns nas tradicionais sacolinhas de Natal de entidades -, isto é ótimo. No entanto, é importante lembrar que podemos doar um pouco de nós nas mais diversas circunstâncias, e não só por meio do trabalho voluntário em parte de nosso tempo livre.

O ato de doar pode ser traduzido por ações nem sempre assim entendidas. Doar significa dar atenção a alguém, como bom ouvinte de uma conversa muitas vezes longa e aparentemente sem importância para quem ouve. Quantas vezes não somos surpreendidos por um agradecimento sincero em troca do tempo doado para que uma pessoa pudesse desabafar?

Doar é sempre uma gentileza, que se manifesta em palavras para quem precisa de uma motivação; ou em pequenos gestos, como um sorriso, um aceno, um abraço, um olhar de aprovação, um beijo afetuoso; ou, ainda, uma ajuda espontânea para carregar o pacote que pesa nos braços de um idoso, dar-lhe vez na plataforma e nos assentos preferenciais dos coletivos, levá-lo a atravessar a rua com segurança.

Menciono o idoso como exemplo, porque fazer uma gentileza é doar um pouco de si, não importa a quem. Nossa existência só faz sentido porque existem os outros e quanto mais aprendemos a nos relacionar com eles, mais leve e feliz fica a vida.

O lugar das pessoas

Algumas ONGs que trabalham com a inclusão de deficientes no mercado de trabalho promovem exercícios simples, mas eficazes, com funcionários das empresas contratantes. Elas colocam as pessoas comuns no papel de deficientes. De olhos vendados, podendo usar apenas uma mão, ou pilotando uma cadeira de rodas em ambiente com obstáculos, qualquer um entende as dificuldades básicas pelas quais passa um deficiente. Dificuldades básicas, porque há outras mais complexas na sociedade atual: o preconceito, o descaso, a indiferença.

No mundo, alguns nascem com deficiências. Outros as adquirem ao longo da existência, seja por doença, seja por se tornarem vítimas de uma atividade ou estilo de vida. Ninguém está livre de se tornar um deficiente. O mesmo ocorre com os portadores do vírus HIV.

Para quem ainda não se tocou, a vida é simples. O lugar dos portadores de HIV ou das pessoas com deficiência é na sociedade, com direitos, deveres e oportunidades iguais a todas as outras pessoas. Será preciso alguém cair do cavalo para entender o que isso significa?

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.