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A invenção do ano

Lucila Cano

01/01/2016 06h00

- O amigo teve um bom Natal?

- Excelente, com a família reunida. Rimos muito com as adivinhações do amigo secreto. E como somos uma família cristã, não faltou a leitura de um texto alusivo ao nascimento de Cristo. Foi tocante. E o amigo, como passou o Natal?

- Também reunimos a família, celebramos o nascimento de Jesus Cristo e, você não vai acreditar, praticamos uma nova modalidade esportiva!

- Tá de brincadeira? Que história é essa de nova modalidade esportiva em noite de Natal?

- Não é brincadeira, não! E não foi só na véspera do Natal. O apego à raquete se repetiu no dia seguinte e, quero crer, vai ser o “hit” deste verão!

- Vamos parar com o suspense! Raquete de tênis de mesa? Ou posso chamar de ping-pong? Ouvi outro dia que os atletas olímpicos não apreciam a expressão “ping-pong”. Mas, vamos lá, conte logo o que vocês aprontaram no Natal.

- Não aprontamos nada. Ao contrário, contribuímos para a graça dos decotes e das pernas de fora neste calorão. Falo da valorosa, acho até que da principal invenção dos últimos tempos, no meu entender, é claro (acho que no entender de minha família, também). Falo da raquete de matar pernilongo. Aquela que tem um botãozinho, sabe? Você aperta e, raquetada daqui, raquetada dali, dá um choque elétrico nos pernilongos. Que bela invenção! Merecia um prêmio!

- Ai, ai, ai! A raquete de matar pernilongo não é novidade! Lembro bem, já faz mais de uma década, quando a mãe de uma amiga holandesa veio nos visitar pela primeira vez. Ela trouxe uma raquetinha de plástico flexível, que funcionava muito bem na caça aos insetos. Mas era só de bater, de acertar o bicho no tapa. Não tinha essa tecnologia avançada da raquete atual.

- Muito bem. Você, então, sabe do que estou falando. Pode ser que a raquete não seja novidade, mas neste verão ela se tornou indispensável para nós. Com o sucesso do Aedes aegypti, acho que os pernilongos se sentiram marginalizados e resolveram mostrar o seu valor!

- Que conversa tão sem propósito.

- Sem propósito, meu amigo, porque talvez o seu bairro seja imune a pernilongos. Mas não se fie nisso. Mais dia, menos dia, tudo pode mudar. Ou, já sei, o amigo não se exercita com a raquete, porque é adepto de outra prática: o banho de repelente! Também é uma boa! Tem em creme, em spray, não tem cheiro forte, não suja a roupa... Outra invenção que merece prêmio!

- Acho que esta nossa conversa não vai nos levar a lugar algum. O amigo tirou o dia para fazer ironia, para brincar com coisa séria.

- Muito se engana. Trato o assunto com seriedade. Rezo todo dia para que logo todos se beneficiem da vacina contra a dengue e também para que o pessoal da USP, lá de São Carlos, tenha êxito com as tais pastilhas que eles desenvolveram. Parece que você joga a pastilha na água, ela se dissolve e mata as larvas do Aedes.

- Ouvi dizer que já em janeiro as pastilhas serão distribuídas para a população. Será que vai ser só em São Carlos?

- Não sei, mas como diz aquele provérbio chinês, “um passo é o início de uma longa viagem”. Ou seja, por algum lugar vão ter que começar, não é mesmo?

- Lá vem você de novo... Qual a próxima ironia?

- Sem ironia, amigo. É só um jeito mais leve de enfrentar os desafios que nos assombram. Temos tantas barreiras a vencer, em tantos campos, que é melhor encarar a caça ao pernilongo como prática esportiva. Assim iremos criando músculos para os próximos verões.

- Antes que a gente se deixe abater pela melancolia, é melhor nos despedirmos. Espero que você tenha um 2016 pleno de realizações, que todos os seus sonhos se realizem. A propósito, já fez os seus pedidos para o próximo ano?

- Ainda estou na dúvida do que pedir, além daqueles desejos universais de paz, harmonia, fraternidade, muito dinheiro no bolso, saúde para dar e vender! Mas uma encomenda, eu já fiz. Pra semana, meus filhos vão comprar mais algumas raquetes!

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.