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Licença para inovar

A companhia de Leo de Watts vende ar engarrafado para a China - Reprodução
A companhia de Leo de Watts vende ar engarrafado para a China Imagem: Reprodução
Lucila Cano

19/02/2016 06h00

1805, início do século 19. Um jovem americano de 17 anos, filho de família abastada, acompanhou um irmão em viagem para o Caribe e, desde então, tudo mudou na vida dele. Frederic Tudor teve uma ideia e, muitos anos e peripécias depois, transformou sua vida e a da própria família. A ideia dele, acompanhada de muita persistência, influenciou hábitos de consumo. E contribuiu para que outros tantos “inovadores” criassem máquinas e soluções que trouxeram mais conforto, saúde e qualidade de vida para os dias de hoje.

Habitante de uma região de clima frio, Tudor sentiu-se incomodado com o calor do Caribe e pensou em comercializar blocos de gelo. Retirados do lago congelado de sua cidade natal, os blocos seriam transportados em navio para localidades como Havana, por exemplo, onde os benefícios do frio eram desconhecidos.

Fevereiro de 2016. Leio no Boletim Ambiente Brasil notícia publicada no site G1: “Empreendedor vende garrafas de ar puro inglês a R$ 450 para cidades poluídas na China”. Diz a notícia que cada garrafa de 580ml custa 80 libras e que, para oferecer variedade de produtos, o empresário informa que a coleta de ar é feita em diferentes regiões do Reino Unido.

Vida moderna

“Como chegamos até aqui – A história das inovações que fizeram a vida moderna possível”, de Steven Johnson (Zahar, 2015), é o título de um livro de leitura agradável, que entrelaça acontecimentos da vida de empreendedores com inovações que, uma após outra, vão sendo aperfeiçoadas e dão origem a outras inovações.

A história completa das façanhas de Frederic Tudor, e tudo o que veio depois de sua avalanche de blocos de gelo, comercializados até em Bombaim, na Índia, constam do capítulo dedicado ao frio.

Outras mentes brilhantes e suas respectivas histórias estão nos capítulos: vidro, som, higiene, tempo e luz.

Acredito que quem já leu há de concordar comigo. Este é um livro que precisa ser lido, comentado e compartilhado. Para quem ainda não teve a oportunidade, fica a indicação. Chegamos até aqui porque muitos empreendedores, e não só os contemplados no livro de Johnson, persistiram em suas ideias transformadoras. Como eles, os empreendedores deste século repetem a história, mas avançam cada vez mais com os recursos de que dispõem hoje.

Em qualquer época, as ideias brotam dos desafios, das dificuldades que, muitas vezes se mostram bem maiores do que de fato são. Mas, é bom que fique claro, não é o desemprego, nem a aposta em negócio próprio pós-desemprego, que inundará o mercado de empreendedores ativos, criativos e bem-sucedidos.

Criativos e empreendedores, todos podemos e devemos ser. Seja em casa, no emprego, na escola, nas relações sociais, seja onde for. Ninguém precisa de licença para inovar, para lançar uma ideia. No entanto, todos precisamos aguçar os sentidos, prestar atenção a tudo que nos rodeia, buscar informação, refletir, e ousar errar. O que fazemos do nosso tempo talvez seja o primeiro passo para o início de uma empreitada.

Ar engarrafado

A notícia sobre Leo De Watts, 27 anos, é curiosa, e alarmante. O jovem empresário engarrafa ar puro dos campos do Reino Unido e oferta o produto como item de luxo aos endinheirados de Xangai e Pequim, duas das cidades mais poluídas do mundo.

A exemplo do gelo de Tudor, o ar também é grátis (ao menos por enquanto): sacada criativa com matéria-prima de custo zero. O ar, a água e todos os demais bens da natureza têm sido criminosamente explorados e degradados. São coisas aparentemente simples, as quais temos tendência a desprezar, até que elas estejam em falta. Na China, a escassez de água potável já é um problema sério. Agora, mesmo que pontualmente, o ar passa a ser tratado como produto de luxo.

No Brasil, experimentamos as mazelas da seca sazonalmente, mas há décadas. E, mais recentemente, em localização geográfica ampliada.

Segundo tudo indica, no Brasil e no mundo temos desafios de sobra para inovar mais.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.