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Um valor quase absoluto

Lucila Cano

04/03/2016 06h00

Em março de 2006, portanto há 10 anos, o Ibope Opinião, instituto de pesquisas que sempre apura as tendências do eleitorado brasileiro, divulgou um estudo sobre corrupção na política, realizado com 2.001 pessoas em janeiro daquele ano.

Os resultados do trabalho intitulado “Corrupção na Política: Eleitor Vítima ou Cúmplice?” foram apresentados no 2º. Congresso Brasileiro de Pesquisa, na cidade de São Paulo.

Não vou entrar no detalhamento do estudo, até porque não sou especialista na área. Mas, tomo a liberdade de trazer ao leitor alguns pontos que considero interessantes e atualíssimos.

Atos de corrupção política

Apresentados a um rol de 13 atos de corrupção política, os entrevistados deveriam avaliar as ilegalidades em diferentes categorias e níveis, colocando-se, inclusive no lugar de políticos ou governantes:

  1. Escolher familiares ou pessoas conhecidas para cargos de confiança;
  2. Mudar de partido em troca de dinheiro ou cargo/emprego para familiares/pessoas conhecidas;
  3. Contratar, sem licitação, empresas de familiares para prestação de serviços públicos;
  4. Pagar despesas pessoais não autorizadas (como compras no cartão de crédito ou combustível) com dinheiro público;
  5. Aproveitar viagens oficiais para lazer próprio e de familiares;
  6. Desviar recursos das áreas de saúde e educação para utilizar em outras áreas;
  7. Aceitar gratificações ou comissões para escolher uma empresa que prestará serviços ou venderá produtos ao governo;
  8. Usar “caixa 2” em campanhas eleitorais;
  9. Superfaturar obras públicas e desviar o dinheiro para a campanha eleitoral do político;
  10. Superfaturar obras públicas e desviar o dinheiro para o patrimônio pessoal/familiar do político;
  11. Deputado ou Senador receber dinheiro de empresas privadas para fazer e/ou aprovar leis que as beneficiem;
  12. O político contratar “funcionários fantasmas”, ou seja, pessoas que recebem salários do poder público sem trabalhar e ele ficar com esse dinheiro;
  13. Trocar o voto a favor do governo por um cargo para familiar ou amigo.

 

As respostas mostraram que para os entrevistados 100% dos políticos cometeriam ao menos um dos 13 atos de corrupção, assim como fariam 100% dos brasileiros. E, ao se colocarem no lugar de políticos, 75% assumiram que também praticariam algum dos atos listados.

Outros percentuais igualmente interessantes foram divulgados na época, além de um comparativo que o Ibope Opinião fez com infrações do dia a dia, ilícitos cometidos pelo cidadão comum. Coisas como sonegação de impostos; falsificação de documentos; ligações clandestinas (água, luz e TV a cabo); compra de produtos falsificados; atestados médicos falsos.

Condescendência

Que o brasileiro é leniente com muita coisa, não resta dúvida. Acredito que de 2006 para cá o brasileiro evoluiu, ficou mais antenado com o que se passa à sua volta. Mas, a relação que temos com o certo e o errado se mantém ambígua.

Assim como muita gente brinca, dizendo que “não existe meia gravidez”, não existe meia ética. A ética é um valor absoluto. Não dá para dizer que uma pessoa é quase ética. Ou ela é, ou não é ética.

Mas, como colocar a ética em prática? Como entender que os “pecadilhos” do dia a dia podem se somar a milhões de outros “pecadilhos” e, assim, causar danos enormes para outras pessoas, para o país, para o mundo?

Milhões de brasileiros desconhecem os seus direitos e, por consequência, os seus deveres. Ainda é natural para uma jovem analfabeta que o político de sua terra pague pelo voto dela. Ainda é natural para o jovem que varou a noite na balada pedir atestado de saúde para faltar ao trabalho no dia seguinte.

Se fôssemos ensinados a entender e praticar a ética, nosso país não perderia rios de dinheiro e os brasileiros estariam em melhores condições de vida. Falta escola, falta ensinar ética na escola.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.