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Coisa pequena

Lucila Cano

04/11/2016 06h00

Em conversa de feriado com uma prima, descobri que ela começou uma pequena ação solidária faz um ano. Coisa que nunca soube. Também não perguntei por que não me contou antes. Talvez ela evitasse falar para algumas pessoas da família, ainda mais para quem pode expô-la. Por isso, prima, tentada por sua história, conto o caso, mas não revelo a autora.

A prima, com certeza, prefere o anonimato. Ela sabe que a ação tem valor por si só, porque, importante, é o benefício que ela provoca. Do mesmo modo, importante é o exemplo motivar outras pessoas a seguir-lhe os passos.

Quando pensamos nas dificuldades que as pessoas, o país e o mundo enfrentam, muitas vezes somos surpreendidos por aquela expectativa do milagre que imobiliza. Erramos, sempre que ficamos no aguardo de grandes atitudes. Elas demoram a chegar e podem chegar tarde demais.

Pequenas atitudes, no entanto, são permitidas a todos. Qualquer pessoa pode fazer uma coisa boa para ajudar o próximo e isso pode ser tão bom para ela e para o próximo que, logo, outras pessoas desejarão participar do saudável movimento da solidariedade.

Ajuda de fim de ano

Com a proximidade do Natal, mais ou menos nesta mesma época do ano passado, minha prima e outras tantas pessoas da instituição religiosa que ela freqüenta, foram solicitadas a contribuir com um litro de leite para o lanche de crianças carentes. Era um lanche de fim de ano, vamos dizer, para cerca de 100 crianças de uma comunidade próxima à instituição.

A prima contribuiu, outras pessoas contribuíram e a história poderia ter terminado aí. Mas, a prima pensou o óbvio: as crianças comem todos os dias. Quem banca os lanches do dia a dia? Sem que nada mais lhe pedissem, ela, espontaneamente resolveu pedir. Fez um cálculo e concluiu que dois litros de leite por pessoa, por mês, não alterariam em nada a vida e as finanças de seus amigos. Contou a ideia para as amigas da ginástica, para os vizinhos, para a turma do grupo de estudos, e fechou uma data, no fim do mês, para receber o “leitinho das crianças”.

A ação começou pequena. Com o tempo, cresceu. Com o tempo, muitos também optaram por dar dinheiro a ela (pesa menos que os dois litros de leite). Por fim, o dinheiro prevaleceu. Ela, então, começou a comprar o leite e, para fazer o dinheiro render, passou a fazer pesquisa de preços e comprar onde encontrava produtos mais baratos. Até que chegamos a este mês de novembro e à história que a prima me contou. Que era sobre a dificuldade de comprar e levar o leite para a instituição. A prima não tem carro!

A despeito de ter pedido ajuda a um ou outro do grupo, poucos a socorreram na hora de transportar a doação. As pessoas, no geral, são muito ocupadas e, ao doar dinheiro, que é importante, mas não é tudo, perdem a oportunidade de experimentar o convívio com quem recebe e agradece uma doação.

A experiência de se doar

Uma palavra, um gesto, um carinho, um sorriso. Coisas pequenas surtem grandes resultados e são formas igualmente importantes e necessárias de doação. Ninguém precisa ir ao orfanato, ao abrigo, ao lar de idosos para doar atenção ao próximo. Muitas vezes, estamos cercados de pessoas que precisam de muita ajuda e não conseguimos perceber o quanto podemos ser úteis, solidários, amigos.

A ajuda material é imprescindível. Se puder ajudar alguém com um litro de leite, um agasalho, um brinquedo, um par de sapatos, ou dinheiro para as instituições, ótimo. Você estará sendo solidário.

Se, além disso, puder se doar só um pouquinho, você vai se descobrir igualmente solidário, só que mais feliz. Experimente ouvir, conversar, sorrir, caminhar junto, abraçar. Experimente se doar.

Esta época do ano é bastante propícia para abrirmos uma brecha para a sensibilidade. Eu estou tentando, porque, segundo tudo indica, a felicidade é feita de coisas pequenas. Não custa nada experimentar.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.