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Virada de ano

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Imagem: Shutterstock
Lucila Cano

06/01/2017 06h00

Nem tudo vira de acordo com as expectativas quando saltamos de um ano para outro. Talvez por isso as pessoas se atenham de modo arraigado à troca de votos esperançosos de paz e prosperidade.

Antes, pessoalmente, em abraços calorosos. Depois, por telefone, cartas e cartões. Mais recentemente, pelos meios eletrônicos. Algum dia será por telepatia?

Mudam os modos de expressão, mas não mudam os desejos de dias melhores. À parte os inevitáveis registros das catástrofes naturais e desatinos humanos, o símbolo marcante da virada de ano é o bebê que nasce à meia-noite. O horário de verão embaça um pouco a beleza da simbologia, mas ela serve para nos lembrar que sempre é possível recomeçar.

O senão fica por conta da distância entre os bons propósitos de ano novo e as más práticas de ano velho. Fosse diferente, praias e avenidas amanheceriam limpas, livres de latas e garrafas vazias, só para citar parte do lixo óbvio. Ainda bem que existem catadores. Ainda bem que latas e garrafas podem ser recicladas.

Atenção redobrada

O objetivo da sustentabilidade é a melhoria da qualidade da vida em seu sentido mais amplo. Esse é um processo contínuo, ano após ano, pois algumas questões, em especial aquelas que se referem à saúde do planeta e das pessoas, demandam atenção redobrada.

O lixo é uma dessas questões. Em nosso país, a população cresce em descompasso com o saneamento básico, cujas metas de ampliação são sempre proteladas. O lixo entope bueiros e é causa primeira de inundações. A água suja invade casas e danifica os bens dos moradores. Nas ruas, a enxurrada carrega pessoas e carros. Nem todos são salvos.

Nos rios, o lixo contamina a água, muitas vezes já nas nascentes. Sufoca as vertentes de águas que deveriam ser limpas, boas para o consumo humano e para a procriação de peixes.

Nos córregos que cortam as cidades, o lixo chama bicho. A céu aberto, cada pequena poça d’água se transforma em criadouro de Aedes Aegypti, o mosquito da dengue. Dado o insucesso do combate em algumas frentes, ele agora também é transmissor da chikungunya e do zika vírus.

Viramos o ano com o verão em alta e a ameaça do mosquito ainda mais agravada. Quantos casos mais teremos de mortes por dengue e chikungunya no ano que se inicia? Quantas crianças mais nascerão com microcefalia? Bateremos o recorde do ano passado? As questões de saúde pública dependem do governo, sim. Mas a redução do lixo, que chama bicho, também depende de cada um de nós.

Quantas doenças e quanto sofrimento não poderiam ser evitados se déssemos mais atenção ao espaço em que vivemos, ao entorno de nossas casas, aos hábitos que temos? Nem todos os hábitos são exemplares, tampouco saudáveis. Mais de 80% das doenças infecciosas são transmitidas pelas mãos. Devemos e podemos evitá-las de um jeito simples, com água e sabonete, ou sabão. A higiene básica é um “santo” remédio, de custo baixo e grande eficiência para a saúde de crianças e adultos.

Agente de transformação

Somos agentes de transformação. Isso é inevitável. Faz parte da própria natureza humana. Não podemos ficar parados. Queremos criar, inovar, transformar, evoluir. Para que todos esses verbos valham a pena e tornem a vida melhor para todos, a educação é outra questão que precisa ser cuidada a qualquer tempo, todos os anos.

Não me refiro apenas à educação básica, aquela que tira os indivíduos da ignorância e lhes permite ler, escrever, aprender e saber. Ela é fundamental, sem dúvida, pois no mundo ainda há cerca de 758 milhões de adultos analfabetos, com o triste agravante de as mulheres representarem dois terços desse número.

O ano que se inicia traz consigo inúmeros desafios. Alguns maiores e mais sérios que os desafios de anos anteriores. Se ainda cabe algum propósito na sua lista de desejos de ano novo, que tal se doar um pouco? Seja pela mudança de um velho hábito, seja pelo exemplo, que pode ser transformador.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.