Uma olimpíada em que todos ganham

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal

"A jornada de trabalho inicia-se cedo, geralmente às 6h da manhã; porém, é nas madrugadas que elas atuam. Todos os dias, vagueiam em meio a guetos e ruas em busca de sustento para filhos, irmãos, pais. Vagueiam sem direção certa, sem nenhum destino em especial que não seja sobreviver. Esta é a sobrevida de centenas de mulheres que se arriscam ao trabalhar no ramo da prostituição (...)".

As linhas acima poderiam ser obra de um escritor famoso, quem sabe Jorge Amado ou João do Rio. Mas na realidade, trata-se do artigo "O jardim da Rua 16" produzido por um adolescente. Luiz Eduardo Lima Aguiar estuda no ensino médio em uma escola pública de Arapiraca, no interior de Alagoas, e foi um dos finalistas da última Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, iniciativa do Ministério da Educação, Fundação Itaú Social e com coordenação técnica do Cenpec.

Criado em 2002, o programa premia os melhores textos dos alunos de escolas públicas de todo país nos gêneros de poesia, crônica, memória e artigos de opinião a partir do tema: "O lugar onde eu Vivo".

No ano em que o Brasil discute a construção de uma Base Nacional Curricular Comum, temos uma excelente oportunidade para as escolas mostrarem a importância do trabalho cotidiano com a língua portuguesa em textos produzidos como resultado da leitura de autores da literatura brasileira, pesquisa sobre a comunidade onde a escola está localizada e oficinas que envolvem escrita e rescrita das produções, aspectos da gramática e outros recursos linguísticos.

Muito se tem discutido não só sobre a baixa qualidade da educação brasileira, como também o fato das escolas estarem distantes do dia a dia dos alunos, das questões contemporâneas e das novas tecnologias. A Olimpíada é um dos raros casos de um programa de abrangência nacional que contempla todas essas dimensões objetivando também a formação dos professores por meio de material que descreve o passo a passo das oficinas a serem desenvolvidas em sala de aula, assim como a oferta de diversos cursos realizados à distância, dos quais participaram mais de 16 mil professores em 2015.

O portal oferece ainda ferramentas como o Percurso Formativo, composto por recursos que subsidiam as ações realizadas pelas secretarias de educação ou universidades, dando autonomia para os professores fazerem suas próprias escolhas e seguir sua própria rota de aprendizagem.

A melhor maneira de falar sobre os resultados da Olimpíada e de sua metodologia inovadora é destacar alguns relatos de professores que, como João Francisco Bertolo de Cardoso, de São Paulo, trabalhou com seus alunos no gênero crônica o tema: Garimpando diamantes em meio a árvores e batalhas. Ele iniciou seu trabalho com a leitura de mestres como Fernando Sabino e Mario Prata e seguiu as orientações para a realização das oficinas na sua sala de aula.

A partir da indignação de que oito árvores seriam cortadas na praça da matriz da cidade para dar lugar a um estacionamento, o professor incentivou os alunos a buscarem histórias que faziam parte da praça.

Segundo ele, "foi descoberto um celeiro incrível de valiosos diamantes, esperando para serem garimpados e transformados em textos. Não salvamos as árvores, é verdade. Mas resgatamos o legado cotidiano delas. E isso nem o tempo nem uma serra elétrica pode destruir".

A professora Elaine Ferreira de Matos dos Santos, da cidade de Suzano, em São Paulo, trabalhou com seus alunos do 3º ano do Ensino Médio o artigo de opinião baseado na questão polêmica da construção do trecho leste do Rodoanel, onde ocorreram mais de 140 desapropriações de casas próximas à escola.

Seu relato final é a demonstração de que na Olimpíada todos estão no pódio: "Na correção, fiquei emocionada com a qualidade dos argumentos. Independente de quem fosse escolhido, o maior prêmio já estava ali. Sim, a maior recompensa eram os textos de qualidade produzidos por todos os meus alunos".

Os exemplos acima, assim como milhares de outros desse programa (conheça as experiências aqui), demonstram que a escrita só faz sentido no seu uso social. Não para cumprir uma tarefa para o professor, não como algo que tem que ser chato, mas sim como um instrumento de expressão, de registro de experiências e de mobilização de forças. Descobrir que as palavras têm força, que todos têm o que dizer, que é possível participar ativamente da sociedade, são aprendizados que a Olimpíada proporciona e que cada criança e jovem leva ao longo de sua vida.

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.

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