Como construir uma escola inclusiva nas periferias?

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal

Muitas pessoas têm uma visão preconceituosa das periferias, tidas por elas como áreas de pobreza e violência. Essa percepção estigmatizada reforça a segregação social e territorial nas grandes cidades brasileiras, como apontou Jailson Souza e Silva, diretor do Observatório de Favelas, no seminário Cidades e Territórios: encontros e fronteiras na busca da equidade, que aconteceu na última semana em São Paulo.

O tema das desigualdades socioespaciais esteve presente nas diferentes mesas do Seminário. Em todas as discussões, enfatizou-se que o aumento da renda observado no país não se traduziu em acesso de qualidade a bens coletivos como educação, saúde, saneamento básico, moradia e lazer. Ao invés disso, cresceu a segregação, vivenciada em diferentes dimensões com a criação de muros visíveis e simbólicos. Esta desigualdade alimenta a violência e a cultura do medo, acabando por criar um verdadeiro apartheid social. A intolerância acontece muitas vezes dos dois lados, pois o sentimento de pertencimento muito forte a apenas um grupo pode cortar a possibilidade de diálogo com os demais.

 "Na periferia, o singular é coletivo. Nossos plurais são singulares, É nóis" – Binho, do Capão Redondo.

O Seminário trouxe ainda uma importante experiência internacional, apresentada por Choukri Ben Ayed, sociólogo francês e professor da Université de Limoges. Em seu trabalho, ele analisou a política da França implementada nos anos 1980 e direcionada aos territórios mais vulneráveis, considerados prioritários. Mesmo criando leis para punir a discriminação racial, social ou étnica, a França ainda luta para integrar imigrantes e filhos de imigrantes em um ambiente escolar não segregado, uma vez que muitos franceses tiraram seus filhos das escolas de bairros onde havia muitos imigrantes.

Tal como nos subúrbios franceses, as escolas localizadas nas periferias das grandes cidades brasileiras são, via de regra, aquelas que possuem menos recursos, professores com jornadas exaustivas e resultados mais baixos nas avaliações nacionais. Mas como podemos resolver esta questão?

Para o professor francês, uma política que dê condições para alunos de diferentes origens e culturas estudarem juntos e em harmonia deve ser prioridade. Apenas assim será possível romper com a segregação instalada nos territórios de alta vulnerabilidade, onde o convívio apenas com os iguais reforça as desigualdades e dificulta a circulação e a promoção de diálogos diferenciados – o que resulta em uma educação de menor qualidade.

A experiência da França neste tema tão complexo pode servir de alerta e também de inspiração para que no Brasil possamos desenhar políticas públicas melhores, que impactem as escolas localizadas nos territórios de alta vulnerabilidade social. Romper com a cultura de uma política única para todo o país e buscar a equidade é nosso desafio. Precisamos entender as dificuldades de alunos e professores em cada território. E devemos analisar a existência ou não de escolas que comportam majoritariamente um perfil de alunos com níveis socioeconômicos e culturais muito baixos, gerando um efeito perverso de segregação.

Os dados educacionais brasileiros apontam para as inúmeras desigualdades espaciais, tanto entre as regiões norte e nordeste em relação às demais regiões, como entre cidade e campo e entre centros e periferias. Alcançarmos uma educação de qualidade implica em nos debruçarmos sobre esses pontos e desenharmos políticas que possam apontar caminhos de superação.

Maria Alice Setubal

Maria Alice Setubal, a Neca Setubal, é socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação, preside os conselhos do Cenpec e da Fundação Tide Setubal e pesquisa educação, desigualdades e territórios vulneráveis.

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