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Arte britânica - Um panorama das artes visuais

Antonio Carlos Olivieri, Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

Quem quiser ter uma ideia rápida, mas não superficial, de como as artes plásticas se desenvolveram no Reino Unido, do Renascimento aos dias de hoje, não pode deixar de fazer uma visita à Tate Britain, instituição que reúne o melhor da produção artística do país ao longo desse período. Fundada em 1897, a Tate Britain integra um conjunto de museus nacionais britânicos, que inclui ainda a Tate Modern, de Arte Moderna, também em Londres, e outras duas galerias nas cidades de Liverpool e St. Ives.

 

O Renascimento é um marco fundamental para as artes plásticas, pois foi quando elas, como a compreendemos hoje, se configuraram, ganhando características desconhecidas na Antiguidade e na Idade Média. Na Inglaterra, o Renascimento coincidiu com a ascensão de Henrique VIII e de seus descendentes, que formaram a dinastia Tudor. Coincidiu também com a Reforma protestante no país, conduzida pelo próprio rei, que fundou uma Igreja nacional, para marcar sua independência em relação à Igreja católica.

Inicialmente, Reforma protestante teve um efeito negativo sobre as artes plásticas na Inglaterra, uma vez que questionava o culto das imagens que o catolicismo estimulava. Em função disso, foi proscrita a arte com temática religiosa, que fez o esplendor do Renascimento na Itália. Por isso, em sua origem, a pintura inglesa se limitou aos retratos de personagens célebres da época, que viviam em torno da Corte.

Pintores importados

Além dessa restrição temática, é interessante observar também a inexistência de artistas de destaque nascidos no Reino Unido. Para ter os seus retratos pintados, a Corte dos Tudor teve de importar pintores de outros países, especialmente da Alemanha ou dos Países Baixos. É o caso dos dois nomes mais famosos dos séculos XVI e XVII, respectivamente Hans Holbein (1497-1543) e Antoon Van Dick (1599-1641).

A importância histórico-social do retrato é evidente, numa época em que a fotografia ainda não tinha sido inventada. Num país em que as elites sociais faziam questão de expor status e exibir seu modo de vida privilegiado, o retrato ganhou ainda maior destaque e continuou predominante até o século XVIII, no qual, porém, os artistas já não eram importados, ao menos em sua maioria.

O primeiro nome a destacar-se das artes plásticas na Inglaterra do início do século XVIII é o de William Hogarth (1697-1764), que, evidentemente, foi retratista. Porém, além de pintor, também desenvolveu uma significativa produção de desenhos e caricaturas, ligada à imprensa, compondo um panorama satírico do país em seu tempo. Hogarth chegou a produzir ilustrações sequenciais, que constituíam pequenas histórias e, por isso mesmo, é considerado um pioneiro das histórias em quadrinhos.

Paisagens e retratos

Na segunda metade do século XVIII, ao lado do retrato, ganhou prestígio entre os ingleses a pintura de paisagens, especialmente pelo fato de um grande paisagista italiano, Giovani Antonio Canal, mais conhecido como Canaletto (1697-1768), ter passado nove anos na Inglaterra, dedicando-se às belas paisagens britânicas. Essa produção do artista é sempre mencionada em qualquer história da arte no Reino Unido, independentemente de sua autoria não ser propriamente nacional.

No entanto, há dois nomes ingleses de peso na pintura britânica da segunda metade do século XVIII, o de dois retratistas e paisagistas rivais, que disputaram a preferência do seleto público capaz de pagar para ter uma ou mais obra de arte ornamentando as paredes de suas mansões.

Trata-se de Joshua Reynolds (1723-1792) e Thomas Gainsborough (1727-1788), que são, certamente, os dois artistas mais aristocráticos de todos os tempos, uma vez que sua obra consegue captar o orgulho de uma elite social que não se envergonhava de ostentar seus privilégios, num país e numa época em que o politicamente correto não dava as cartas...

Prestígio e instituições

Reynolds e Gainsborough não disputavam apenas clientes, mas também prestígio junto à elite que retratava. Para isso, promoveram as artes plásticas e desenvolveram instituições que ressaltassem sua importância e garantissem a sua permanência. Reynolds, por exemplo, foi presidente da Royal Academy of Arts, fundada pelo rei George III, em 1768, instituição que se pode visitar ainda hoje, nas proximidades de Piccadilly Circus.

Antes de passar ao século XIX, convém lembrar que os gêneros retrato e paisagem muitas vezes se uniram sob a paleta dos pintores desse período, dando origem trabalhos em que personagens e cenários tinham importância similar na composição das obras. Alem disso, na medida em que a Inglaterra se destacou como nação no panorama internacional, desenvolveram-se as pinturas de eventos históricos, que tiveram em John Singleton Copley (1738-1815) um de seus principais artistas.

À luz do Romantismo

No âmbito cultural, o início do século XIX foi marcado pelo Romantismo, tendência que encontrou tanto na Inglaterra quanto na Escócia um solo fértil para se desenvolver, muito provavelmente devido ao tradicionalismo característico desses dois países. O Romantismo exaltava a tradição.

A contribuição britânica para o movimento foi decisiva – o que não se pode dizer a respeito de tendências anteriores, como o Barroco e o Neoclassicismo, cujos grandes expoentes se encontram em outras nações, como a Itália, a Holanda, a França e a Alemanha.

Se até o Romantismo a pintura inglesa se limitou a produzir obras que ganharam significado apenas no contexto-cultural anglo-saxônico, sob a égide da escola romântica, a situação sofreu uma alteração radical e até a pintura produziu na Inglaterra um nome de importância no âmbito internacional: o de Joseph Mallord William Turner (1775-1851).

Turner foi essencialmente um paisagista, mas a sua percepção da importância da luz para a arte pictórica o colocou num caminho que o levou a antecipar o Impressionismo, o primeiro movimento de ruptura com o cânone das artes estabelecido no Renascimento, cinco séculos antes. Seus estudos com luz e cor chegaram mesmo a flertar com o Abstracionismo, tendência que deixou de lado a arte figurativa, a qual, até esse momento, era a única forma conhecida de arte e reconhecida como tal.

O Romantismo britânico ainda produziu outro paisagista inspirado, John Constable (1776-1837), mas, em matéria de originalidade, o nome a ser lembrado é o do poeta, artista plástico e ilustrador William Blake (1757-1827), que também antecipou tendências artísticas como o Expressionismo e o Surrealismo, mas, por estar adiante de seu tempo, foi mal compreendido pelos contemporâneos, que não valorizaram seu trabalho, condenando-o à pobreza.

Era Vitoriana

O momento de apogeu do Império britânico, no entanto, coincide com o reinado da Rainha Vitória, que se estendeu de 1837 a 1901. Na chamada Era Vitoriana, a Inglaterra exerceu no cenário internacional, tanto no âmbito político-econômico, quanto no âmbito cultural, um papel hegemônico, que talvez só possa ser comparado ao exercido pelos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial.

Nesse momento privilegiado de sua história, a Inglaterra conheceu um movimento pictórico de grande vigor e originalidade, apesar de não ter conhecido maior repercussão internacional, nem moldado o gosto artístico do ocidente, como fizeram as vanguardas da Europa continental desde o impressionismo. Trata-se da Irmandade Pré-Rafaelita.

Organizado à moda de uma confraria medieval, esse grupo de pintores insurgiu-se contra o academicismo da arte inglesa da época, contrapondo aos padrões que a orientavam, estabelecidos no Renascimento, os valores gótico-medievais e pré-renascentistas, ou da arte anterior à obra do pintor Rafael Sanzio (1483-1520), um ícone do Renascimento.

Pré-Rafaelitas

Não é possível resumir em poucas linhas as características essenciais da escola pré-rafaelita, mas se pode dizer que suas obras, apesar de figurativas e realistas, têm um forte caráter emocional e uma atmosfera espiritual, aproximando-se do Simbolismo. O artista leva em conta o valor poético, quase místico, de sua criação, mais do que reproduzir fielmente uma realidade visível. Em síntese, com os pré-rafaelitas, o invisível também passou a estar presente nas artes visuais.

Os integrantes originais da Irmandade foram William Holman Hunt (1827-1910), John Everett Millais (1829-1896), Dante Gabriel Rossetti (inglês de origem italiana, 1828-1882) e Edward Burne-Johns (1833-1898). Ligados ao grupo, mas independentes, dois outros nomes não podem ser esquecidos: Ford Madox Brown (1821-1893) e John William Waterhouse (1849-1917).

Tradição e retratismo

Na Europa continental, as primeiras décadas do século XX constituíram um momento de ruptura com a tradição pictórica e marcaram o advento de movimentos artísticos de vanguarda, como o Futurismo, o Cubismo, o Expressionismo e o Surrealismo. A Inglaterra, nas artes plásticas, não se deixou impressionar por tantos “ismos” e continuou apegada à tradição, com o retratismo sempre em relevo. É o que demonstra a obra de Augustus John (1878-1961), o retratista de grandes personalidades britânicas do período, como Thomas Hardy, W. B. Yeats, Bernard Shaw e Dylan Thomas.

É importante deixar claro, contudo, que a contribuição britânica ao empreendimento cultural que se pode enquadrar sob o rótulo de Modernismo pode não ter sido significativa no âmbito das artes plásticas. Por outro lado, no que se refere à literatura, o período congrega autores fundamentais, sem os quais não se pode falar em literatura moderna. É o caso de T.S. Eliot e James Joyce.

Arte contemporânea

Para finalizar o panorama com a arte recente, podem-se mencionar os nomes de Patrick Caulfield (1936-2005), representante ainda que não assumido da pop-art na Iglaterra, e de Lucien Freud (1922-2011). Neto do fundador da psicanálise, Freud desenvolveu um trabalho também alicerçado no retratismo, embora o que ele retrate, através de seus modelos, seja a solidão e a angústia da existência humana.

Mencione-se, ainda, Francis Bacon (1909-1992), que se interessou pelos aspectos mais sórdidos da vida, produzindo uma pintura de formas atormentadas, com temas escandalosos e sangrentos, segundo um padrão figurativo assemelhado ao do Expressionismo e do Surrealismo. Uma desambiguação: Bacon era descendente distante do filósofo seiscentista homônimo, autor do Novum Organum.

Observações

Um panorama da arte britânica para um público de outro idioma não estaria completo sem as seguintes ressalvas:

1) Há uma prevalência cultural da Inglaterra sobre os outros países do Reino Unido, cuja evidência maior é o próprio idioma inglês, que se impôs à Escócia, ao País de Gales e à Irlanda do Norte. Essa prevalência, evidentemente, não é um ponto pacífico, o que pode levar todos os britânicos (exceto os ingleses, é claro) a considerarem este artigo muito parcial...

2) Há um aspecto específico das artes plásticas, as chamadas artes decorativas, que tiveram imenso desenvolvimento em solo inglês, abrangendo desde a ourivesaria até a cerâmica, e passando pelos papeis de parede e outros adereços ligados à arquitetura e à vida cotidiana.

Esse aspecto “decorativo” inclui as artes gráficas (ilustração, caricatura, cartum), e vai muito além do trabalho de Hogarth aqui mencionado. A arte gráfica e o desenho inglês teve um impacto decisivo na cultura mundial, particularmente pelos seus desdobramentos em solo norte-americano.