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História do Brasil

Índios - O Brasil antes do descobrimento

Antonio Carlos Olivieri, da Página 3 - Pedagogia & Comunicação

Atualizado em 29/04/2014, às 15h41

Ao chegarem ao Brasil, os portugueses encontraram um território povoado. Seus habitantes, porém, desconheciam a escrita e não deixaram documentos sobre o próprio passado. O conhecimento que temos sobre os índios brasileiros do século 16 baseia-se principalmente em relatos e descrições dos viajantes europeus que aqui estiveram, na época. Particularmente, os livros do alemão Hans Staden e do francês Jean de Lery, que conviveram com os índios por volta de 1550.

Os dois apresentam detalhadamente o modo de vida indígena, relacionando aspectos que vão dos mais triviais, como as vestes e adornos, aos mais complexos, como as crenças religiosas. Sobre as épocas anteriores à chegada dos portugueses, os estudos históricos contam com a contribuição da antropologia e da arqueologia, que permitiram traçar um panorama abrangente, apesar da existência de lacunas.

O povoamento da América do Sul teve início por volta de 20.000 a.C., segundo a maioria dos pesquisadores. Existem indícios de seres humanos no Brasil datados de 16.000 a.C., de 14.200 a.C. e de 12.770 a.C., encontrados nas escavações arqueológicas de Lagoa Santa (MG), Rio Claro (SP) e Ibicuí (RS). A dispersão da espécie por todo o território nacional aconteceu em cerca de 9000 a.C., quando o número de homens aumentou muito.

Tupis e guaranis

Ao longo desse processo, teria ocorrido a diferenciação linguística e social que deu origem aos troncos indígenas Macro-Jê e Macro-Tupi. Deste último, entre os séculos 8 e 9, originaram-se as nações Tupi e Guarani. São as que mais se destacam nos últimos 500 anos da História do Brasil, justamente porque tiveram um contato mais próximo com o homem branco.

Na chegada de Pedro Álvares Cabral, em 1500, estima-se que os índios brasileiros fossem entre um e cinco milhões. Os tupis ocupavam a região costeira que se estende do Ceará a Cananeia (SP). Os guaranis espalhavam-se pelo litoral Sul do país e a zona do interior, na bacia dos rios Paraná e Paraguai. Em outras regiões, encontravam-se outras tribos, genericamente chamados de tapuias, palavra tupi que designa os índios que falam outra língua.

Apesar da divisão geográfica, as sociedades tupis e guaranis eram bastante semelhantes entre si, nos aspectos linguísticos e culturais. Os grupos se formavam e se mantinham unidos principalmente pelos laços de parentesco, que também articulavam o relacionamento desses mesmos grupos entre si. Agrupamentos menores, as aldeias ligavam-se através do parentesco com unidades maiores, as tribos.

Modo de vida dos índios

Os índios sobreviviam da caça, da pesca, do extrativismo e da agricultura. Nem esta última, porém, servia para ligá-los permanentemente a um único território. Fixavam-se nos vales de rios navegáveis, onde existissem terras férteis. Permaneciam num lugar por cerca de quatro anos. Depois de esgotados os recursos naturais do local, migravam para outra região, num regime semi-sedentário.

Suas tabas (aldeias) abrigavam entre 600 e 700 habitantes. Levando em conta as possibilidades de abastecimento e as condições de segurança da área, um conselho de chefes determinava o local onde eram erguidas. As aldeias eram formadas por ocas (cabanas), habitações coletivas que apresentavam formas e dimensões variadas. Em geral, as ocas eram retangulares, com o comprimento variando entre 40 m e 160 m e a largura entre 10 m e 16 m. Abrigavam entre 85 e 140 moradores. Suas paredes eram de madeira trançada com cipó e recobertas com sapé desde a cobertura.

As várias aldeias se ligavam entre si através de trilhas, que uniam também o litoral ao interior. Algumas eram muito extensas como a do Peabiru, que unia a região da atual Assunção, no Paraguai, com o planalto de Piratininga, onde se situa a cidade de São Paulo. Descobrimentos arqueológicos confirmam contatos entre os tupis-guaranis e os incas do Peru: objetos de cobre dos Andes foram desenterrados em escavações, no Rio Grande do Sul e no Estado de São Paulo.

Alimentação: mandioca, peixe e mariscos

A alimentação dos índios do Brasil se compunha basicamente de farinha de mandioca, peixe, mariscos e carne. Conheciam-se os temperos e a fermentação de bebidas alcoólicas. Com as fibras nativas dos campos e florestas, fabricavam-se cordas, cestos, peneiras, esteiras, redes, abanos de fogo; moldavam-se em barro diversos tipos de potes, vasos e urnas funerárias, pois enterravam seus mortos.

Na taba, vigorava a divisão sexual do trabalho. Aos homens cabiam as tarefas de esforço intenso, como o preparo da terra para o cultivo, a construção das ocas e a caça. Além destas, havia a atividade que consideravam mais gloriosa - a guerra. As mulheres, além do trabalho natural de dar a luz e cuidar das crianças, semeavam, colhiam, modelavam, teciam, faziam bebidas e cozinhavam.

Os casamentos serviam para estabelecer alianças entre aldeias e reforçar os laços de parentesco. A importância da família se contava pelo número de seus homens. As grandes famílias tinham um líder e as aldeias tinham um chefe, o morubixaba. Em torno dele, reunia-se um conselho da taba, formado pelos líderes e o pajé ou xamã, que desempenhava um papel mágico e religioso. As crenças religiosas dos índios possuíam papel ativo na vida da tribo. Praticavam-se diversos rituais mágico-sagrados, relacionados ao plantio, à caça, à guerra, ao casamento, ao luto e à antropofagia.

Antropofagia (canibalismo) e vida após a morte

Basicamente, os tupi-guaranis acreditavam em duas entidades supremas - Monan e Maíra - identificados com a origem do universo. Ao lado das divindades criadoras, figurava também uma entidade - Tupã - associada à destruição do mundo, que os índios consideravam inevitável no futuro, além de ter ocorrido em passado remoto. Acreditavam também na vida após a morte, quando o espírito do morto iniciava uma viagem para o Guajupiá, um paraíso onde se encontraria com seus ancestrais e viveria eternamente. A prática da antropofagia talvez estivesse especialmente ligada a essa viagem sobrenatural, sendo uma espécie de ritual preparatório para ela, segundo alguns estudiosos.

Para outros, o ritual antropofágico servia para reverenciar os espíritos dos antepassados e vingar os membros da aldeia mortos em combate. Após as batalhas contra tribos inimigas, a antropofagia tinha caráter apoteótico, mobilizando todos os membros da aldeia numa sucessão de danças e encenações que terminavam com a matança de prisioneiros e o devoramento de seus corpos.

Na organização política de uma aldeia, destacava-se a figura do chefe, o morubixaba, mas este só exercia efetivamente o poder em tempos de guerra. Ainda assim não podia impor a sua vontade, devendo convencer um conselho da aldeia, por meio de discursos. A guerra era uma atividade epidêmica. Acontecia por razões materiais, como conquistar terras privilegiadas; morais e sentimentais, como a vingança da morte de parentes ou amigos por grupos adversários; ou ainda religiosas, vinculadas à antropofagia.

Povos guerreiros

O caráter beligerante das sociedades indígenas brasileiras desmente a versão da história segundo a qual os índios se limitaram a assistir à ocupação da terra pelos europeus, sofrendo os efeitos da colonização passivamente. Ao contrário, nos limites das suas possibilidades resistiram à ocupação territorial, lutando bravamente por sua segurança e liberdade. Entretanto, o contato inicial entre índios e brancos não chegou a ser predominantemente conflituoso. Como os europeus estivessem em pequeno número, podiam ser incorporados à vida social do índio, sem afetar a unidade e a autonomia das sociedades tribais.

Isso favoreceu o intercâmbio comercial pacífico, as trocas de produtos entre os brancos e os índios, principalmente enquanto os interesses dos europeus se limitaram ao extrativismo do pau-brasil. Em geral, nas três primeiras décadas de colonização, os brancos se incorporavam às aldeias, totalmente sujeitos à vontade dos nativos. Mesmo em suas feitorias, os europeus dependiam de articular alianças com os indígenas, para garantir a alimentação e segurança.

Posteriormente, quando o processo de colonização promoveu a substituição do extrativismo pela agricultura como principal atividade econômica, o padrão de convivência entre os dois grupos raciais sofreu uma profunda alteração: o índio passou a ser encarado pelo branco como um obstáculo à posse da terra e uma fonte de mão-de-obra barata. A necessidade de terras e a de trabalhadores para a lavoura levaram os portugueses a promover a expulsão dos índios de seu território, assim como a sua escravização. Assim, a nova sociedade que se erguia no Brasil impunha ao índio uma posição subordinada e dependente.

Confederação dos tamoios

Contra essa ordem, a reação indígena assumiu muitas vezes caráter violento, como a guerra dos Tamoios, que se estendeu por três anos, a partir de 1560. Incentivados por invasores franceses estabelecidos na Baía da Guanabara, vários grupos desses índios uniram-se numa confederação para enfrentar os portugueses, ao longo do litoral entre os atuais estados do Rio de Janeiro e São Paulo. A atuação dos jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta resultou num acordo de paz, realizado em Iperoígue, uma aldeia situada onde hoje se localizam os municípios paulistas de São Sebastião e Ubatuba.

Outra possibilidade de reação indígena ao avanço português era a submissão, assumida sob a condição de "aliados" ou escravos. Essa forma de convivência "pacífica" foi obtida particularmente graças ao trabalho dos padres missionários que, promovendo a cristianização dos índios, combatiam sua cultura e tradições religiosas, além de redistribuí-los territorialmente, em geral de acordo com os interesses dos colonizadores.

Índios sobreviventes

Finalmente, para preservar a unidade e a integridade de seu modo de vida, os índios optaram também pela migração para as áreas interioranas, cujo acesso difícil tornava o contato com o branco improvável ou impossibilitava a este exercer seu domínio. Essa alternativa, porém, teve um preço alto para as tribos indígenas, forçando-as a adaptar-se a regiões mais pobres ou inóspitas.

Ainda assim, em relação ao enfrentamento ou à submissão, o isolamento foi o que permitiu parcialmente aos índios preservarem sua herança biológica, social e cultural. Dos cinco milhões de índios da época do descobrimento, existem atualmente cerca de 460 mil, segundo a Funai - Fundação Nacional do Índio.

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