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História geral

Batalha de Iwo Jima (1) - O papel do general Tadamichi Kuribayashi

Túlio Vilela

Pearl Harbor, kamikazes, Hiroshima e Nagasaki. Em geral, essas palavras são tudo o que a maior parte do público (especialmente, o brasileiro) já ouviu falar a respeito da campanha no Pacífico, travada entre os Estados Unidos e o Japão durante a Segunda Guerra Mundial.

Com a estreia de "A Conquista da Honra", o mais novo filme dirigido por Clint Eastwood, é provável que um nome bastante familiar para os públicos norte-americano e japonês se torne também familiar para o público brasileiro: Iwo Jima (cuja pronúncia correta é "Ivo Jima").

Iwo Jima é uma ilha com apenas cerca de sete quilômetros de comprimento e seu terreno é dominado pelo monte Suribachi, na verdade, uma montanha vulcânica, com cerca de 180 metros de altura.

Em parte essa pouca familiaridade com o assunto se deve ao fato de que, durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil se envolveu diretamente com o conflito na Europa e não com o conflito no Pacífico. Os pracinhas da FEB (Força Expedicionária Brasileira) e os pilotos da FAB (Força Aérea Brasileira) lutaram na Itália contra o exército da Alemanha nazista e não contra o exército japonês em ilhotas do Pacífico.

Pearl Harbor: o começo

A campanha do Pacífico teve início com o ataque japonês à base militar norte-americana de Pearl Harbor, no Havaí, em dezembro de 1941, e terminou em agosto de 1945 com as bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki.

Nesses quase quatro anos de conflito, japoneses e norte-americanos se enfrentaram numa série de batalhas, a maioria delas navais ou travadas em ilhas. Ao se enfrentarem nessas ilhas, tanto os combatentes norte-americanos quanto os japoneses estavam quilômetros longe de seus respectivos lares.

Milhares de pessoas de ambos os lados morreram por causa desse conflito e um número ainda maior de pessoas participou dos combates. Foi uma guerra que mudou para sempre a história tanto dos Estados Unidos quanto do Japão.

A ilha de Iwo Jima

Quando teve início a guerra com o Japão, o que nenhum estrategista do Pentágono, como é conhecido o prédio onde funciona o comando das forças armadas dos Estados Unidos, em Washington, poderia imaginar é que uma ilhota vulcânica e inóspita seria palco de umabatalha decisiva.

Iwo Jima, cujo nome em japonês significa "ilha de enxofre" (uma referência ao odor de enxofre que impregna a ilha, exalado pelo seu terreno vulcânico), sequer constava nos planos elaborados pelos estrategistas norte-americanos durante os primeiros anos da guerra. Durante muito tempo, o principal objetivo nos planos traçados pelos estrategistas era Formosa (nome pelo qual a ilha de Taiwan era mais conhecida no Ocidente, o nome "Formosa" foi dado pelos navegantes portugueses, numa referência à beleza da ilha).

Taiwan estava sob ocupação japonesa e havia se tornado o principal objetivo dos estrategistas norte-americanos tão logo o general Douglas Mac Arthur reconquistou as Filipinas para os Estados Unidos (na época, as Filipinas eram uma possessão norte-americana, que durante a guerra foi invadida e ocupada pelos japoneses).

No entanto, Taiwan apresentava sérios obstáculos para as forças norte-americanas: era uma ilha grande, estava fortemente defendida pelos japoneses e uma grande distância ainda a separava do Japão,o que não a tornava o local mais adequado para servir de base para aviões norte-americanos partirem para bombardeios contra as cidades japonesas. Foi então que o nome "Iwo Jima" foi cogitado e passou a constar nos planos.

Pistas de pouso

A ideia dos estrategistas norte-americanos era transformar a ilha, então ainda ocupada pelas forças japonesas, numa base para aviões bombardeiros. Os japoneses haviam construído pistas de pouso em Iwo Jima. Essas eram usadas pelos aviões japoneses (tanto bombardeiros quanto caças). O plano dos militares norte-americanos era tomar a ilha (o que já se sabia uma tarefa difícil) e reaproveitar as pistas construídas pelos próprios japoneses.

Construir uma pista de pouso é uma tarefa árdua e demorada, por isso,os norte-americanos não tinham interesse em destruir as pistas de pouso construídas pelos japoneses. Além disso, Iwo Jima estava exatamente no meio do caminho entre as ilhas Marianas e o Japão.

No final de 1944, muitos aviões B-29 (bombardeiros norte-americanos) que partiam das ilhas de Saipan e Tinian foram abatidos próximos de Iwo Jima. Os Estados Unidos perderam mais aviões B-29 em ataques inimigos vindos de Iwo Jima do que em fogo lançado pelas eventuais defesas anti-aéreas situadas no Japão.

Todos esses fatos foram usados como argumento pelos estrategistas norte-americanos para justificar uma invasão à ilha. Assim, em outubro de 1944, Charles W. Nimitz, almirante da marinha norte-americana, começou os preparativos para uma invasão norte-americana em Iwo Jima, a ser realizada ainda no início do ano seguinte.

Preparativos da invasão

Diferentemente de operações anteriores no Pacífico (Ilhas Salomão, Ilhas Marshall, Ilhas Marianas...), a invasão norte-americana em Iwo Jima ia focar-se em uma única ilha. Mais uma vez, os fuzileiros navais norte-americanos, os marines (chamados erroneamente de "marinheiros" nas traduções brasileiras de muitos filmes), participariam dos combates em terra. Nos Estados Unidos, os fuzileiros navais constituem uma força armada à parte, separada da marinha norte-americana.

Antes da invasão propriamente dita, uma série de ataques aéreos norte-americanos foi feita contra Iwo Jima. Esses ataques tiveram início em dezembro de 1944, mas apesar da grande quantidade de bombas lançadas pelos aviões nesses ataques, eles se mostraram ineficazes. Isso levou a inteligência norte-americana a concluir que não era uma questão de quantidade, mas de precisão: o mais importante não era lançar muitas bombas, mas que elas acertassem os alvos. Em Iwo Jima, os soldados japoneses construíram uma rede de abrigos e túneis que os protegeu muito bem da maioria desses ataques aéreos.

Os profissionais da inteligência norte-americana estimavam que o número de combatentes japoneses em Iwo Jima não seria superior a 13 mil homens. Eles estimavam esse número porque concluíram que os japoneses não deveriam dispor de água potável em quantidade suficiente para um número maior de homens. Nisso, podemos identificar dois erros estratégicos, um do lado norte-americano, outro do lado japonês.

O erro norte-americano foi o serviço de inteligência não saber ao certo quantos soldados japoneses estavam de fato na ilha. Além disso, o número de soldados japoneses na ilha era muito maior que o estimado: mais de 20 mil. O erro japonês: não havia de fato água potável suficiente para essa quantidade de homens e semanas antes da invasão norte-americana os japoneses já enfrentavam a escassez, consumindo ínfimas quantidades de água racionada.

O inferno, literalmente

As forças norte-americanas já esperavam que os combatentes japoneses que defendiam a ilha ofereceriam violenta resistência. Já havia sido assim em batalhas anteriores travadas em outras ilhas e não havia motivos para crer que seria diferente em Iwo Jima. Mesmo assim, os estrategistas norte-americanos acreditavam que a vitória seria rápida, que os Estados Unidos assumiriam o controle da ilha em pouquíssimo tempo, que a batalha duraria poucos dias.

Eles estavam enganados: a batalha foi acirrada e durou cerca de um mês, que pareceu interminável para sobreviventes de ambos os lados. Eles vivenciaram um verdadeiro inferno: imagine o que deve ter sido a sensação de lutar num lugar impregnado pelo cheiro de enxofre e de carne humana queimada, acompanhado do som intermitente de tiros e explosões.

O general Tadamichi Kuribayashi

O grande trunfo dos japoneses em Iwo Jima era a presença do general Tadamichi Kuribayashi. Diferente de outros militares japoneses da época, Kuribayashi era sensato e preferiu ignorar várias das táticas e tradições militares adotadas pelos seus colegas. Muitos militares japoneses acreditavam que o importante era que o máximo de soldados japoneses sacrificassem sua próprias vidas em honra do imperador.

Kuribayashi pensava diferente: para ele o mais importante era vencer e por isso orientou seus homens para que poupassem recursos e matassem o maior número possível de norte-americanos. Assim, naquele momento, para Kuribayashi, os homens sob seu comando eram mais úteis vivos do que mortos.

Essa mudança de estratégia não foi suficiente para evitar a derrota japonesa, mas produziu um resultado até então inédito: em Iwo Jima, foi travada a única batalha da campanha do Pacífico em que os fuzileiros navais norte-americanos sofreram mais baixas do que as causadas aos japoneses.

De modo geral, Kuribayashi estava preparado para a invasão norte-americana: os combatentes japoneses na ilha dispunham de grandes estoques de armas, munições, rádios para comunicação, ferramentas e mantimentos, exceto, vale lembrar, de água potável. Kuribayashi também havia levado para a ilha alguns dos melhores engenheiros militares que o Japão dispunha.

Esses engenheiros eram experientes, e já haviam trabalhado para as forças armadas japonesas na China e na Manchúria. A areia vulcânica encontrada em Iwo Jima produzia uma espécie de concreto muito resistente a tiros de canhão, vantagem essa que foi explorada na construção de fortificações. Por isso, é comum afirmar que Iwo Jima foi caracterizado pela luta da "carne e sangue norte-americanos contra o concreto japonês".

Além das fortificações, os japoneses construíram abrigos escavados na rocha. Os soldados ficavam escondidos nesses abrigos subterrâneos, nos quais estocavam comida e munições, e de onde disparavam tiros de morteiro ou de canhão.

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