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História geral

Civilizações africanas da Antiguidade - Vale do Nilo e Península Somali

Érica Turci

Egito e Núbia

Segundo os arqueólogos, o vale do rio Nilo já era habitado desde o Paleolítico, ou seja, entre 3 milhões e 100 mil anos atrás. Muitos séculos depois, em torno do 7º milênio a.C., a agricultura e o pastoreio já eram praticados no delta do rio Nilo, e progressivamente se expandiram em direção ao sul, seguindo as margens desse rio.

A partir do 5º milênio a.C., com o processo de formação do deserto do Saara, vários povos nômades e seminômades, do norte da África e do Oriente Médio, buscaram as margens do rio Nilo para ali se fixarem.

Esses migrantes se misturaram com os povos locais e fundaram aldeias tanto no Alto Nilo (ao sul), quanto no Baixo Nilo (ao norte). Em algum momento (ainda não se sabe quando), essas aldeias se unificaram, formando pequenas cidades independentes.

Até então existia certa identidade cultural entre as várias cidades ao longo do vale do Nilo, devido a suas origens comuns e suas relações comerciais. Com o passar do tempo, o processo de centralização política se acelerou na região do Baixo Nilo, até que, em torno de 3100 a.C., um rei chamado Menés unificou toda a região, tornando-se o primeiro faraó de uma das mais antigas civilizações: o Egito.

Enquanto isso, ao sul, pequenos reinos se mantiveram independentes e formaram a civilização Núbia. A fronteira entre as duas civilizações ficava próxima da primeira catarata do Nilo; e a mais importante cidade núbia era Siene (atual Assuan), um rico centro comercial.

Sabemos pouco sobre como os núbios se organizavam ou o que pensavam sobre eles mesmos, já que não desenvolveram a escrita. Mas os egípcios deixaram muitos documentos que demonstram a importância da Núbia.

Os núbios praticavam a agricultura e o pastoreio às margens do Nilo, e desenvolveram uma sofisticada cerâmica. As riquezas da Núbia, como o ouro, o ébano, o marfim, atraíam a atenção dos egípcios, que desde a 1ª Dinastia já travavam guerras com os núbios.

Os conflitos entre o Egito e a Núbia ocorreram por séculos, sendo a Núbia uma poderosa rival do Egito. Muitas muralhas foram construídas pelos egípcios na fronteira com a Núbia, o que prova que não só o Egito queria controlar as riquezas da Núbia, mas que os núbios também atacavam o território egípcio.

Foi somente durante a 18ª Dinastia egípcia (século 15 a.C.) que a Núbia foi ocupada pelos egípcios, tornando-se um vice-reino. A partir de então a cultura núbia passou a sofrer forte influência egípcia: a escrita hieroglífica, os deuses e os costumes egípcios foram impostos à Núbia.

O reino de Kush

Dentre os reinos núbios, um merece destaque: Kush (ou Cush). Não se sabe ao certo quando surgiu o reino de Kush, mas documentos egípcios já citam os kushitas desde o século 20 a.C. A primeira capital de Kush teria sido Kerma, na região da terceira catarata do Nilo, mas a capital kushita mais importante foi Napata, próxima da quarta catarata do Nilo. Muitos arqueólogos supõem que a transferência da capital para uma região mais ao sul foi uma forma de os kushitas se afastarem da ameaça egípcia.

Num revés da história, ainda pouco compreendido, mas ligado ao enfraquecimento do Egito, causado por disputas políticas internas, em 713 a.C. o rei kushita Shabaka invadiu e controlou o Egito, iniciando assim a 25ª Dinastia. No Antigo Testamento, encontramos várias citações sobre os temíveis guerreiros negros do império kushita.

Contudo, em sua expansão pelo delta do Nilo, os kushitas entraram em contato com guerreiros ainda mais poderosos: os assírios (da Mesopotâmia). O rei assírio Assaradão tentou conquistar o Egito governado pelos kushitas, mas foi derrotado. Seu sucessor, Assurbanipal, no entanto, ocupou o delta do Nilo em 663 a.C.

A partir de então os kushitas se retiraram para o sul e mantiveram o controle sobre a Núbia, a partir de Napata. A fim de se afastarem ainda mais dos conflitos do território egípcio, os kushitas transferiram sua capital para Meroé (século 6 a.C.), ainda mais ao sul. Essa cidade era um dos mais importantes entrepostos comerciais entre a África e o mar Vermelho, além de possuir ricas minas de ferro. (A tecnologia de fundição do ferro é uma das principais características dos povos africanos dessa região. Aliás, quando os portugueses chegaram à África, no século 15 d.C., aprenderam com os africanos como fundir ferro de maneira mais eficiente.)

Enquanto o Egito foi sucessivamente conquistado por assírios, persas, macedônicos e romanos, o reino de Kush (a partir de então também conhecido como reino Meroíta) manteve sua independência por mais 9 séculos (alguns historiadores falam em 8 séculos), controlando várias rotas comerciais que ligavam o interior da África ao mar Vermelho, e ainda mantiveram relações amistosas com os faraós da linhagem macedônica (os ptolomaicos).

Quando os romanos conquistaram o Egito e não conseguiram submeter os kushitas, cortaram o comércio kushita com o Oriente Médio e o Mediterrâneo, o que levou Meroé a uma progressiva crise econômica. No século 4 d.C., a já decadente Meroé foi conquistada por povos vindo do Chifre da África (ou península Somali): os axumitas.

O reino de Axum

O reino de Axum se localizava na atual Etiópia. Segundo a lenda, esse reino teria sido fundado por Menelik, filho do rei Salomão com a rainha de Sabá (o que nos remete à história contada no Livro dos Reis, no Antigo Testamento. Apesar de tal lenda não ter ainda nenhum fundamento comprovado, manteve-se por muitos séculos).

A cidade de Axum se localizava às margens do rio Atbara. Sua população era formada por povos locais (a Etiópia é considerada um dos mais antigos berços da humanidade) e por migrantes vindos da Arábia antes do século 6 a.C.

Em torno do século 3 a.C., os kushitas (ou meroítas) mantinham comércio com Axum. Em torno do século 2 a.C., o porto de Adulis, no mar Vermelho (que ficava a oito dias de viagem até Axum), era um dos maiores centros comerciais entre a África e a Arábia.

No século 1 d.C., o comércio transformou Axum num dos centros mais ricos da África. Entre os séculos 2 e 4 d.C., os axumitas controlavam grande parte da navegação, tanto mercante quanto de guerra, no mar Vermelho. Embaixadores axumitas viajavam pelos grandes reinos do Oriente Médio e da África, impondo os interesses comerciais de Axum.

Como os axumitas desenvolveram a escrita (chamada de gueze ou geês), escavações arqueológicas ainda hoje revelam muitos textos axumitas talhados em argila e pedra. E devido à grande atividade política de Axum, vários desses textos trazem uma versão em grego (a língua diplomática da época), o que facilita muito a compreensão da história desse povo.

Em 335 d.C., os axumitas invadiram, saquearam e incendiaram a capital kushita, Meroé, pondo fim ao reino de Kush, que representava um centro comercial concorrente. Acredita-se que a elite kushita tenha fugido em direção do oeste, chegando até o Chade, e difundindo assim a cultura kushita.

O império axumita se cristianizou a partir da influência egípcia, e se tornou um importante centro de difusão dessa nova religião no leste da África.

Com a expansão árabe muçulmana, a partir do século 7, o reino axumita cristão perdeu sua força, tanto econômica quanto cultural. Mesmo assim, séculos mais tarde, durante a expansão marítima e comercial de Portugal (século 15), muitos navegadores tinham como meta encontrar o reino lendário de Prestes João, um reino cristão africano que, provavelmente, seria o antigo reino de Axum.

E vale lembrar: muito tempo depois, enquanto toda a África era repartida e dominada pelas potências imperialistas europeias (no século 19), a Etiópia foi um dos poucos reinos que conseguiu manter sua independência. Ainda hoje, portanto, conhecer e valorizar a cultura etíope pode ser um caminho interessante para se compreender parte da história da humanidade.

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