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História geral

Revolução Russa - Desdobramentos - Surge a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

Antonio Carlos Olivieri

O autoritarismo leninista logo se explicitou nos acontecimentos relacionados à Assembleia Constituinte. Nas eleições de seus deputados, os bolcheviques só conseguiram 25%, dos 36 milhões de votos. Uma vez que eram absoluta minoria, dissolveram a Assembleia que só se reuniu em uma única sessão, em janeiro de 1918.

  • Lênin discursa em Petrogrado

 

 

 

 

 

 

 

 

No mesmo ano, os bolcheviques criaram a agremiação política que se tornaria a única legal do país: o Partido Comunista e instituíram a República Federativa Soviética da Rússia, com capital em Moscou. A suposta ditadura do proletariado pregada por Lênin virou, na prática, a ditadura do Partido Comunista, formado basicamente por intelectuais de classe média. Nas palavras do historiador marxista francês Henri Avron:

"Os sovietes são a partir de então simples órgãos de execução do Partido, o poder central reina de maneira absoluta; ele se resume em três organizações: o Bureau político, isto é, o Partido; o Conselho Revolucionário de Guerra, isto é, o exército, e a Comissão Extraordinária ou Tcheka, isto é, a polícia; dirigidas respectivamente por Lênin, Trostky e Dzerjinsky."

O brevíssimo período de democracia direta e popular exercido pelos sovietes estava definitivamente encerrado. O Partido comunista imediatamente começou a privilegiar seus membros, em especial os militares e policiais, para garantir sua fidelidade.

A paz de Bret-Litovsky

Para compensar as medidas impopulares (como um racionamento de alimentos quer privilegiava operários e membros do Partido, já em dezembro de 1917), o novo governo russo havia aberto negociações de paz com a Alemanha. As conversações se arrastaram e foram rompidas em 10 de fevereiro de 1918, pois o comitê diplomático comunista, comandado por Trotsky, acreditava (assim como Lênin) que também na Alemanha uma revolução socialista aconteceria.

A revolução alemã, no entanto, não aconteceu e, para firmar a paz, no Tratado de Brest-Litovsky, os russos foram forçados a ceder ao governo imperial alemão 27% de suas terras aráveis, 23% de sua indústria, 73% de seu minério de ferro e 5% do carvão.

Esse foi o primeiro dos grandes problemas que os comunistas tiveram de pagar para continuar no poder. Não parariam de pagar outros antes de 1922. Até lá, foram várias as insurreições populares que tiveram de enfrentar. Também não era para menos, como declarou sarcasticamente um camponês anônimo no 8º Congresso dos Sovietes, em março de 1920:

"Tudo vai muito bem. Mas se a terra é para nós, o trigo é para os comissários; a água é para nós, mas o peixe para os comissários; a floresta é para nós, mas a madeira para os comissários". Por comissários, entenda-se os comissários do povo - nome com que os comunistas se batizaram, recorrendo a títulos criados durante a Revolução Francesa, que lhes servia de inspiração.

  • União de soldados, camponeses e operários, no cartaz de propaganda do Partido Comunista

                 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  Vermelhos versus brancos

Além disso, a Rússia mergulhou numa guerra civil. Apoiadores do antigo regime, os russos brancos (por oposição aos comunistas, vermelhos) tentaram promover uma contra-revolução. Contaram com a aliança de outros países europeus, que não aceitaram a retirada unilateral da Rússia da guerra e temiam a expansão do comunismo.

Tropas francesas desembaraçaram em Odessa, tomaram a Crimeia e o leste da Ucrânia. Ingleses avançaram rumo a Petrogrado. Tropas alemãs, francesas e polonesas ocuparam o oeste da Ucrânia. Japoneses, americanos e tchecoslovacos ocuparam a Sibéria.

Entretanto, o Exército Vermelho (formado a partir da Guarda Vermelha), apesar de sofrer essas derrotas, conseguiu organizar uma contra-ofensiva, principalmente porque os países aliados desconfiavam uns dos outros quanto aos seus interesses na Rússia, em caso de derrota dos comunistas. Assim, gradativamente as tropas estrangeiras foram se retirando do país. Os últimos a saírem foram os japoneses, em 1922.

Nesse período, os comunistas anexaram diversos territórios, estabeleceram relações diplomáticas com os países do ocidente europeu e instituíram a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ou União Soviética, cuja existência se estendeu até 1991.

Comunismo de guerra

A guerra civil, porém, exigiu um esforço econômico batizado de comunismo de guerra, que constituiu no controle estatal da economia do país. Os camponeses boicotaram o processo, sonegando suas colheitas e a fome sobreveio. A indústria comandada por operários sem noções de administração não deram certo: a produção industrial russa de 1920 equivalia a 18% da produção do país em 1913.

Em 1921, até os marinheiros do porto de Kronstadt - revolucionários de primeira hora, chamados por Trotsky de "honra e glória" da Revolução - se amotinaram contra o governo. Uma de suas manifestações, o documento "Por que nós combatemos", dá uma ideia de como os princípios da revolução operária tinham sido traídos:

"Ao fazer a Revolução de Outubro, a classe operária esperava obter sua emancipação. Mas o resultado foi uma escravidão ainda maior da individualidade humana. O poder da monarquia policialesca passou à mão dos usurpadores - os comunistas - que, em lugar de dar liberdade ao povo, reservou-lhe o medo dos cárceres da Tcheka, cujos horrores ultrapassam em muito os métodos da gendarmeria czarista. [...] Tornou-se cada vez mais claro, e hoje torna-se evidente, que o Partido Comunista não é, como fingiu ser, o defensor dos trabalhadores. Os interesses da classe operária lhes são estranhos. Depois de haver conquistado o poder, há apenas uma preocupação: não perdê-lo."

Sublevados, em 1920, os marinheiros de Kronstadt estavam prontos para pegar em armas contra os comunistas, declarando: "Aqui [em Kronstadt] foi içada a bandeira da revolta contra a tirania dos três últimos anos, contra a opressão da autocracia comunista que fez empalidecer os três séculos de jugo monarquista. [...] É aqui em Kronstadt que foi lançada a pedra fundamental da Terceira Revolução, que romperá as últimas amarras do trabalhador e lhe abrirá o novo e grande caminho da edificação socialista".

Trotsky e a militarização da URSS

Ironicamente, essa terceira Revolução foi massacrada por Trotsky - teórico da revolução permanente. Não foi a única das ironias da história a envolver este líder bolchevique. Anos mais tarde, em 1927, ele também iria se rebelar contra a ditadura do Partido Comunista. Como os marinheiros de Kronstadt, ele também seria massacrado 13 anos depois, em 1940.

Em 1928, porém, Trtosky procurou eximir-se da responsabilidade pelo massacre de Kronstadt, escrevendo artigos em que dizia não ter participado pessoalmente da repressão. De fato, não participou pessoalmente, mas era o comandante supremo das tropas repressoras e assinou a ordem que as pôs em ação. Além disso, não há como negar o militarismo de Trotsky nos primeiros anos do regime comunista: ele impôs, por exemplo, uma militarização do sistema de produção na União Soviética. Sob suas ordens, a disciplina e a hierarquia militar passaram a vigorar nas fábricas russas.

Nova Política Econômica ou NEP

Diante da insatisfação geral com tudo isso e do fato de seu poder estar em risco, Lênin deu início a um plano econômico que chamou de Nova Política Econômica (NEP), com marcados traços capitalistas. Isso representava, em economia, o que o tratado de Brest-Litovsky representou em termos militares: ceder os anéis para não perder os dedos.

A NEP dirigiu os investimentos para os setores fundamentais da economia, organizou comerciantes e agricultores em cooperativas, suprimiu as requisições estatais sobre a produção agrícola. Além disso, privatizou pequenas empresas, acabou como igualitarismo, hierarquizando os salários de acordo com as funções, atraiu técnicos e capitais estrangeiros. A NEP foi um sucesso e muitos grupos sociais se beneficiaram, pacificando os espíritos.

A morte de Lênin

Em 1924, porém, Lênin morreu e seus dois herdeiros políticos passaram a disputar o poder: Trotsky, marxista radical, partidário do internacionalismo socialista, ou seja, da exportação da revolução para outros países, e Stalin, secretário-geral do Partido Comunista, que defendia a teoria do socialismo num só país. Quando o socialismo estivesse consolidado na União Soviética e a nação conquistasse a independência econômica, o Exército Vermelho se tornaria insuperável e socializaria o mundo.

Stalin, o "Grande Irmão"

Politicamente, Stálin era muito mais hábil do que Trotsky. Não demorou a perceber que a máquina estatal russa, desde o século 18, se apoiava na burocracia e cooptou os burocratas, além de outros líderes revolucionários, isolando seu adversário. Trotsky foi obrigado a demitir-se do cargo de Comissário da Guerra e a exilar-se na Turquia (1929). Entre 1924 e o exílio de seu rival, Stálin consolidou seu poder na União Soviética.

  • Josef Stálin

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A partir daí, passaria a personificar o poder supremo, instituindo o que se chama de "culto à personalidade". Venerado ou temido como o grande irmão de todos os russos, iria concentrar o poder nas próprias mãos até a morte, em 1953 (inspirou, assim, o personagem Grande Irmão, aquele que tudo vê, do romance "1984", de George Orwell).

Quanto a Trostky, foi obrigado a procurar refúgio do outro lado do oceano Atlântico, no México. A distância não o protegeu da ira de Stalin. Foi assassinado por Ramón Mercader, um agente stalinista, que nunca assumiu essa condição, afirmando ter agido por conta própria.

Consequência direta e inevitável do movimento de outubro de 1917, a história da União Soviética sob o governo de Stalin, porém, é uma outra história, da qual muito não se sabe. Em primeiro lugar, porque a falsificação sistemática da historiografia foi uma prática comum do regime stalinista. Além disso, os arquivos do período stalinista, bem como os de seus sucessores até 1991 ainda não vieram totalmente a público.

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