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Menina sem Estrela, A - Análise do livro de Nelson Rodrigues

Vilani Maria de Pádua, Especial para Página 3 Pedagogia & Comunicação

Nelson Rodrigues (1912-1980) é mais conhecido como escritor de peças teatrais. Mas também é o autor de muitos textos em prosa, tão interessantes quanto seu teatro, como suas criativas e bem humoradas crônicas esportivas. Também se destacou por suas próprias memórias, estampadas nas 80 crônicas do livro "A Menina Sem Estrela" (referência à sua filha Daniela, que nasceu cega).

 

Estilo marcante

Tais crônicas foram escritas em 1967, para o jornal carioca "Correio da Manhã", quando Nelson Rodrigues já era famoso pelas montagens de suas peças teatrais e estava com 54 anos. Sendo memórias, começam da maneira mais tradicional possível: "Nasci a 23 de agosto de 1912, no Recife".

Mas como não suportava "o óbvio ululante", imediatamente muda de assunto. Lembra que na mesma época, a espiã Mata-Hari estava em plena atividade em Paris e dá dados sobre a personagem como se ela fosse sua parenta.

Com Nelson Rodrigues era assim, os acontecimentos não precisavam ter uma conexão real e verdadeira, a ligação era feita por sua vontade e associação de ideias. Assim já avisa no início da obra que suas lembranças não aparecerão em ordem cronológica.

 

História do país

O autor de "Vestido de Noiva" vai contando tudo que tem vontade sobre a sua vida e a dos conhecidos, sem o menor pudor. Ao mesmo tempo, apresenta como pano de fundo parte da história do Brasil do século 20, presenciada por ele.

Essa talvez nem tenha sido sua intenção, mas não é possível fugir da história, principalmente pelo fato de ele ter exercido a profissão de jornalista desde os treze anos, estando, deste modo, sempre perto das notícias, que surgem nas memórias com as impressões do dramaturgo: Revolução de 30, Estado Novo, suicídio de Getúlio Vargas, tempo de JK etc.

 

Dramas familiares e humor

Ainda que sua vida em família tenha sido cheia de momentos dramáticos desde a infância, o autor de "O Beijo no Asfalto" não perde o humor, que se apresenta ácido, corrosivo. Até dos momentos mais tristes ele consegue tirar graça, devido ao jeito que escreve, palavras que escolhe e o tom que nos apresenta.

A vida da sua família foi cheia de tragédias, que aparecem nas crônicas com naturalidade, como na de no 22, onde ele faz uma relação entre o sofrimento causado pela morte do seu irmão e sua produção artística: "o meu teatro não seria como é, nem eu seria como sou, se eu não tivesse sofrido na carne e na alma, se não tivesse chorado até a última lágrima de paixão o assassinato de Roberto".

 

Obsessões

Tudo isso coube dentro das suas peças teatrais. Ele conta, inclusive, em quais peças e em que momentos pôs em cena uma passagem verdadeira, devido ao peso do sofrimento que carregava. Com um olhar agudo, consegue pegar flagrantes do cotidiano e colocar em seu teatro, dando verossimilhança.

Também há crônicas onde estão expostas suas várias obsessões, dentre as quais: a infidelidade feminina, a nudez, a gripe espanhola, a úlcera, a tuberculose, a morte, os velórios, a cegueira e seu desejo enorme de ficar famoso e reconhecido por todos, apesar de achar a unanimidade estúpida. Acreditava que: "O que dá ao homem o mínimo de unidade interior é a soma de suas obsessões".

 

Frases de efeito

As frases de efeito são uma forte característica de Nelson Rodrigues e estão presentes em todos os seus textos. "O que nós chamamos de reputação é a soma dos palavrões que inspiramos através dos tempos", dizia. Noutra crônica, enquanto reclama da falta de criatividade das reportagens policiais, que já não alimentavam mais o imaginário, aponta a televisão como substituta: "A novela dá de comer à nossa fome de mentira".

Em sua primeira peça: "A Mulher Sem Pecado", um personagem paralítico de repente dispara: "A fidelidade devia ser facultativa" e o autor, que se encontrava na plateia, afunda na cadeira, por não ter visto no público o impacto imaginado. Recomendo, de imediato, a crônica 66 repleta de frases bombásticas sobre o racismo do brasileiro.

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