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Romantismo no Brasil (3) - As três gerações de poetas

Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

O romantismo no Brasil, no que se refere à poesia, teve três gerações de grandes poetas. O crítico literário Valentim Facioli, professor da Universidade de São Paulo (USP), explica o que foi e como se desenvolveu a poesia romântica na literatura brasileira.

Diz-se que a literatura romântica procurou exaltar as características nacionais. Como isso aconteceu?
A poesia, o romance e o teatro procuraram "revelar" os vários e diferentes aspectos do país e do homem brasileiro: os sentimentos de amor à pátria, de grandeza do território brasileiro, de beleza e majestade da natureza, de igualdade de todos os habitantes do país, da benevolência e hospitalidade do povo, das grandes virtudes dos nossos costumes patriarcais, das incomuns qualidades afetivas e morais da mulher brasileira, do alto padrão da nossa civilização e da nossa privilegiada paz social.

Essa imagem romântica do país correspondia à realidade?
Não. Por volta de 1850, a população do país era de pouco mais de 8 milhões de habitantes: 5,5 milhões dos quais eram homens livres, e 2,5 milhões, escravos. Do total de habitantes, os alfabetizados eram apenas 15 a 20%. A economia do país era quase exclusivamente rural, agrícola, à custa do trabalho escravo. Os homens livres, não-proprietários, viviam em estreita dependência econômica, pessoal e moral dos grandes proprietários rurais através de relações de favor e proteção.

A literatura, então, tinha um público restrito?
Sim, era feita especialmente no Rio de Janeiro, que era a Corte, sede do Império. Ali floresceu um comércio mais intenso de mercadorias e de ideias; surgiram os teatros, os bailes; as ruas movimentaram-se; a burocracia civil e militar conseguiu certa autonomia em relação aos proprietários e políticos conservadores. E o surgimento de algumas escolas médias e superiores, não só no Rio, mas também em Pernambuco, Bahia e São Paulo, favoreceu o crescimento de um bom número de jovens mais liberados dos rígidos controles patriarcais. As próprias mulheres puderam sair da reclusão em que eram mantidas. Na verdade, os jovens estudantes, a burocracia e as mulheres mais liberadas constituíram o pequeno público que lia e consumia a literatura romântica, tanto aquela produzida aqui, quanto a importada da Europa, especialmente da França.

Existe um caráter único, uma semelhança de estilo nos poetas românticos brasileiros como um todo?
Não. Como o Romantismo durou quase meio século, foram muitos os autores que escreveram sob sua influência. Por isso, com base principalmente nas diferenças, podemos agrupá-los em gerações, isto é, em grupos de autores que se assemelham e viveram mais ou menos no mesmo período, mas, ao mesmo tempo, se diferenciam de outros. Podemos dizer que há três gerações de românticos brasileiros.

O que caracteriza a primeira geração romântica?
Predominam o nacionalismo e patriotismo, através da "descoberta" de aspectos característicos da paisagem local, nacional tropical, em que se realça o típico, o exótico e a beleza natural, exuberante, em oposição à paisagem e natureza europeias. O índio é encarado como elemento formador do povo brasileiro, como nas obras de Gonçalves Dias e Gonçalves de Magalhães. Há também forte religiosidade (oficialmente católica) que identifica as possibilidades da poesia romântica com o sentimento cristão, em oposição ao "paganismo" da poesia neoclássica ligada à tradição greco-latina. Poesia amorosa, idealizante e fortemente sentimental, marcada por certa influência da lírica portuguesa, a medieval, a camoniana, e a dos românticos, Garrett, principalmente.

E quanto à Segunda geração? Em que ela se diferencia da anterior?
A maioria das características da geração anterior, em geral, permanece. Mas os poetas assumem agora um extremo subjetivismo, passando à imitação de outros poetas europeus (Lord Byron, inglês; Alfred Musset, francês, especialmente), centrando-se numa temática de amor e morte, dúvida e ironia, entusiasmo e tédio. A evasão e o sonho caracterizam o egotismo dessa geração, isto é, o culto do eu, da subjetividade, através da tendência para o devaneio, o erotismo difuso ou obsessivo, a melancolia, o tédio, o namoro com a imagem da morte, a depressão, a auto-ironia masoquista.

Essa geração não traduz também uma certa rebeldia juvenil, um pendor à transgressão, segundo o modelo criado pelo inglês Lord Byron?
O byronismo aparece através da figura do homem fatal, de faces pálidas, olhar sem piedade, marcado pela melancolia incurável, desespero e revolta, conjuntamente com a imagem do poeta genial, mas desgraçado e perseguido pela sociedade, condenado à solidão, incompreendido por todos, desafiando o horror do próprio destino. O mal do século, uma doença indefinível, entedia e faz desejar a morte como a única via de libertação. Na verdade, a imagem de uma contradição insolúvel entre o excesso de energia interior, do eu, a procura do absoluto, e os limites das condições reais dos homens e da sociedade. São dessa geração: Casimiro de Abreu, Laurindo Rabelo, Álvares de Azevedo, Junqueira Freire, Fagundes Varela e Bernardo Guimarães.

E o que se pode dizer sobre a Terceira Geração?
Os poetas desta geração guardam enormes diferenças entre si, especialmente Castro Alves e Sousândrade. Esta é a geração mais heterogênea do Romantismo no Brasil. Castro Alves, escrevendo em fins da década de 60, já expressa a crise do Brasil puramente rural e o lento, mas firme crescimento da cultura urbana, dos ideais democráticos e, portanto, o despontar de uma repulsa pela moral do senhor-servo, que poluía as fontes da vida familiar e social no Brasil Império.

Que ideias ou ideais estão por trás da poesia de Castro Alves?
Os ideais abolicionistas e o culto do progresso são o fundo ideológico de sua poesia, que se faz eloquente, grandiloquente, oratória, repassada de imagens e metáforas de grandeza. Marcada de forte indignação, a poesia de Castro Alves faz-se liberal, renovando o tema amoroso, liberando-o das noções de pecado e culpa, cultivando um erotismo sensual, de prazer, e denunciando a escravidão; abrindo, portanto, "baterias poéticas" contra o conservadorismo e o atraso mental, moral do Império e as injustiças da ordem social.

É isso que se convencionou chamar de condoreirismo. Sousândrade também se enquadra nesse padrão?
Sousândrade, que começa como poeta próximo da Segunda geração, torna-se uma voz destoante do nosso Romantismo, entrando na Terceira geração apenas por cronologia. Esquecida durante meio século, sua poesia, embora marcada também pelo abolicionismo e republicanismo, realiza-se diferentemente dos românticos, porque repassada de grandes novidades temáticas e formais.

Como assim?
O processo de composição poética volta-se para inesperados arranjos sonoros, pelo uso de diversas línguas integrativamente, com ousados "conjuntos verbais" que quebram mesmo a estrutura sintática da língua portuguesa. A par com isso, por ter vivido anos nos Estados Unidos, foi capaz de captar os novos modos de vida do capitalismo industrial e urbano, em o "inferno de Wall Street", trecho do poema "O Guesa", fundindo-os com certas tradições míticas e culturais dos índios, especialmente os da América espanhola, os quíchuas.

Qual a diferença entre o romantismo e os movimentos anteriores?
O Romantismo questionou, desmoralizou e destruiu o velho princípio clássico da imitação dos modelos antigos. Para os românticos, a expressão artística única, irrepetível correspondia à expressão do indivíduo e suas inumeráveis emoções, iluminação súbita e inspirada. Daí o surgimento de uma poética da "invenção" e da "novidade" como busca permanente da expressão de cada indivíduo, de cada momento, de cada sentimento, de cada paixão, como algo único e irrepetível.

Como isso se traduz na linguagem dos poemas?
Essa necessidade se impõe à estrutura do poema, ao ritmo, à rima, à dicção, à métrica, à alternância de versos longos e curtos, às metáforas ousadas, às hipérboles, ao aproveitamento da linguagem poética em todas as suas potencialidades musicais e expressivas. Por isso, a simples observação ligeira mostra-nos diferenças notáveis entre os poetas românticos, enquanto os neoclássicos, por exemplo, mais se assemelham por seguirem com certo rigor os modelos tradicionais.

Nesse sentido, também em termos formais o Romantismo manifesta rebeldia e tem um quê de moderno?
Ao equilíbrio neoclássico, ele contrapõe o desequilíbrio inovador e experimental. A linguagem é vista como impotente, incapaz de expressar toda a emoção e o sentimento. Diante da carga nova da sensibilidade e da intuição é necessário que as regras do código (isto é, a gramática da língua) sejam questionadas, que as categorias da razão sejam descartadas e sobressaia a pa lavra carregada de sentimentos do coração do poeta para o coração do leitor. Isso faz com que o poeta romântico privilegie o emissor (o eu, a função emotiva da linguagem, isto é, aquele que fala), comportando-se, diante da palavra com a desconfiança que, por assim dizer, ele inaugura na literatura ocidental moderna.

Para finalizar, qual é a importância do Romantismo no Brasil?
O romantismo significa a diferenciação da nossa com a literatura portuguesa, mediante a diferenciação temática e de linguagem. O romantismo quebrou a estreita de pendência linguística que nos prendia à tradição literária portuguesa, pela incorporação de peculiaridades vocabulares e sintáticas e por procurar um ponto de vista nacional brasileiro. Ao mesmo tempo, pelas contradições inerentes ao nosso país e pelas profundas diferenças entre o império brasileiro e a Europa burguesa, o romantismo impregnou-se de contradições que bem expressam a situação global de adaptação de uma profunda corrente cultural e artística, nascida no exterior, às condições do Brasil, país atrasado, dependente e preso à órbita da Europa.

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