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Sociologia

Estados modernos - a guerra - Da violência ao acordo

Renato Cancian, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Vimos no texto anterior que a formação do Estado tem início com a prática da guerra, na qual um grupo que concentra os meios de coerção procura atacar e controlar os competidores locais. A etapa seguinte é a constituição de uma unidade territorial, por meio da delimitação de fronteiras seguras, processo que ocorre ao mesmo tempo em que os competidores externos são afastados e impedidos de ameaçar a nova unidade territorial.

O fenômeno da guerra é, portanto, um fator central no processo que desembocou na forma de Estado nacional que predomina atualmente. É por meio da guerra que os governantes daqueles primeiros Estados, recém-formados, asseguraram a centralização do poder político, o controle interno da população e a manutenção da unidade territorial diante de ameaças externas, provenientes de outros Estados.

A manutenção desse poder, no entanto, exigirá a permanente extração de recursos materiais e humanos. Agindo coercivamente sobre a população, os governantes conseguirão extrair tributos - para custear e financiar os conflitos armados - e também homens, que serão, inicialmente, recrutados como soldados para compor os exércitos.

Da violência à negociação

Mas no curso do processo de extração, os governantes dos Estados nacionais abriram mão, progressivamente, da violência - e passaram a negociar e barganhar com as respectivas populações os meios e as condições para obtenção dos recursos essenciais à prática da guerra.

Passou-se, então, de uma fase de "subordinação", que tem início após o processo de criação do Estado, na qual os governantes empregavam a coerção para "extorquir" os recursos de que o Estado necessitava - nessa fase são comuns as invasões de regiões e propriedades privadas para retirada forçada de suprimentos, víveres e recrutamento de homens -, para a fase seguinte, denominada de "assimilação" ou "aquiescência", na qual os governantes buscam implementar "negociações e acordos" em torno do recrutamento de homens e da imposição de taxas, tributos e impostos regulares ao comércio, à agricultura e à economia locais, concedendo, em troca, certos benefícios aos produtores de riqueza.

Tributos por meio de acordos

Em sua etapa inicial, a fase de assimilação envolveu a negociação entre o Estado e segmentos da população. Isso fez com que diminuísse a concessão, por parte dos governantes, de proteção, privilégios e direitos às classes dominantes: ordens religiosas, nobreza, senhores rurais, banqueiros, comerciantes, chefes de aldeia e outros grupos influentes, que exerciam o controle imediato sobre os recursos materiais e humanos pleiteados pelo Estado para a prática da guerra.

Esses segmentos da classe dominante são denominados por Tilly de "clientes" do Estado e se constituíam, nessa etapa inicial da fase de assimilação, como "intermediários autônomos" entre o governo e a população comum.

É da negociação entre os governos e os grupos ou classes dominantes - para decidir como o Estado poderia extrair os recursos materiais e humanos necessário à guerra - que surgem as instituições políticas representativas, como as assembleias e os estados-gerais. Essas instituições acabaram evoluindo até se transformarem nos parlamentos modernos.

Expansão e uniformização dos direitos

Por volta de 1750, porém, mudanças significativas irão afastar os grupos intermediários de suas posições autônomas - entre o governo e a população comum. Isso abrirá caminho à expansão dos direitos para além das classes dominantes, pois as guerras, nessa época, exigirão que os governantes mobilizem recursos materiais e humanos em escala sem precedentes.

Esse período será caracterizado, portanto, pela constituição dos grandes exércitos permanentes, de caráter eminentemente nacional, formados a partir do recrutamento em massa - e não mais por meio do emprego de mercenários.

Para alcançar esse objetivo, o governo será obrigado a estreitar os vínculos com toda a população, intervindo diretamente na vida cotidiana dos indivíduos comuns. Isso acarretará não só a imposição de obrigações a todos, mas também a expansão e a uniformização da concessão de direitos aos súditos - agora transformados em "cidadãos". Essa mudança, por sua vez, transformará a forma de governo, que passará de "indireta" para "direta".

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