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Socialismo: utopia, ciência e realidade

Da Página 3 - Pedagogia & Comunicação

23/05/2005 17h15

Ao fim da Segunda guerra mundial, os Estados Unidos e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - que congregava a Rússia e mais 14 países da Europa e da Ásia - tinham se tornado as duas maiores potências do planeta, tanto política, quanto militarmente.

Mesmo tendo sido aliados contra a Alemanha nazista, os dois países ocupavam posições antagônicas no campo ideológico. Além disso, competiam pela hegemonia no mundo, que acabou se dividindo em dois blocos: o pró-americano e o pró-soviético.

Um conflito militar direto entre os EUA e a URRS nunca chegou acontecer. Em vez disso, essas superpotências se enfrentaram em uma série de guerras menores, em outros territórios, tendo como personagens principais outros povos e nações. A isso deu-se o nome de "guerra fria", pois os dois inimigos se enfrentavam indiretamente, disputando influências. Essa guerra prolongou-se até o fim do bloco soviético, entre 1989 e 1991.

Um combate de idéias

Por trás do conflito político entre as duas superpotências, encontrava-se uma disputa ideológica. Nela, os Estados Unidos representavam o pensamento político democrático-liberal e o sistema econômico capitalista. A hoje extinta União Soviética representava o comunismo, ou o socialismo científico, ou ainda o marxismo-leninismo - uma filosofia em que política e economia estão intimamente ligados.

Trata-se de um sistema político-econômico-social cujas bases foram formuladas pelos filósofos alemães Karl Marx e Friedrich Engels, a partir da crítica a outras propostas socialistas anteriores a eles. O sistema de Marx e Engels foi introduzido na Rússia, em 1917, sob a liderança de Vladimir Lênin, no bojo de uma revolução anti-absolutista. Até então, o país era governado pela dinastia Romanov, num sistema em que o monarca tinha formalmente o poder absoluto.

Desde que o homem começou a filosofar e a refletir sobre sua organização social, diversos filósofos formularam ideais de sociedades perfeitas, onde todas as pessoas pudessem conviver em paz e harmonicamente, tendo todas as suas necessidades existenciais supridas.

Em um livro célebre do século 16, o inglês Thomas Moore imaginou uma sociedade assim, a que chamou de Utopia (literalmente, um lugar que não existe). Essa obra inspirou diversos outros pensadores, que também formularam idéias que permitissem criar sociedades utópicas, porém reais, em lugares existentes e determinados, aqui na terra.

No século 19, diante das difíceis condições de vida do operariado na sociedade recém modelada pela Revolução industrial, os pensadores e os políticos passaram a fazer a crítica do capitalismo, sistema econômico cujas origens remontam ao fim da Idade Média, em que os comerciantes dos burgos (burgueses) e depois os industriais tornaram-se as elites econômicas e, por conseguinte, ganharam poder político.

"A propriedade é um crime" - Pierre-Joseph Proudhon

Apesar de terem existido diversas teorias socialistas e de cada uma delas apresentar seus traços específicos, todas questionam o direito à propriedade privada, que chegavam a considerar um crime. Apontam também a necessidade de intervenção do Estado a fim de garantir a justiça e a igualdade social. Criticam o individualismo burguês, contrapondo-lhe a solidariedade, a cooperação e a responsabilidade social.

Entretanto, grande parte desses pensadores acreditava que se podia chegar ao socialismo de maneira pacífica e gradativa, sem que ocorresse uma ruptura violenta da ordem estabelecida. Teóricos como Saint-Simon, Fourier, Proudhon, Owen pensavam dessa forma. Foram severamente criticados por Marx e Engels que os consideraram utópicos, ou seja, postulantes de um socialismo que não poderia existir.
A partir de sua interpretação da História, a qual proclamava científica, Marx afirmava que o socialismo só poderia se impor através de uma revolução, necessariamente violenta. Só a classe social explorada pelo capitalismo, o proletariado, poderia levá-la a cabo.

Da natureza à sociedade

"Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos." Com essas palavras, Marx e Engels encerram o "Manifesto do Partido Comunista", lançado em 1848. Nele, clamavam pela união do operariado contra a burguesia, em nome de uma revolução que devia criar uma sociedade sem classes. Trata-se de um panfleto político que somente delineia as idéias dos dois filósofos, expressas de maneira mais extensa em sua obra principal, "O Capital".

Antes de mais nada, é preciso compreender que o pensamento de Marx propunha uma interpretação materialista da História. Na segunda metade do século XIX, a ciência conhecia um momento de grande desenvolvimento, em especial devido às descobertas de Charles Darwin, cujo evolucionismo é a base das ciências biológicas ainda hoje.

Empolgado com o materialismo de Darwin, Marx quis dedicar a ele o segundo volume de "O capital" (mas o cientista inglês rejeitou a oferta). De qualquer modo, Marx acreditava ter descoberto - para a história - aquilo que Darwin descobrira para a biologia: uma lei objetiva que explicava seu funcionamento. Para Darwin, a natureza era movida pela "seleção natural". Para Marx, a história era movida pela economia e pela luta de classes.

Em primeiro lugar, segundo Marx, estão os meios materiais através dos quais os homens garantem sua sobrevivência. Por isso, a organização econômica de uma sociedade seria o elemento determinante de sua política e de sua cultura. O ser humano, porém, é visto como agente capaz de transformar essa realidade. Aliás, Marx dizia que - até ele - a filosofia tinha se limitado a explicar o mundo, agora chegara o momento de transformá-lo.

Revolução reciclada

Para demonstrar essa tese, o marxismo descrevia o que aconteceu durante a Revolução francesa, quando a burguesia teria destronado a nobreza. A nova revolução proposta por Marx daria seqüência à marcha da história, erguendo o operariado contra a burguesia, que o explorava.

Mas em que consistiria essa exploração? Segundo Marx. ao vender sua força de trabalho, o operário estaria alienando (transferindo para outro, no caso o patrão) sua capacidade criativa, bem como o produto do seu próprio trabalho. Ou seja, o controle do processo e os lucros gerados pelo trabalho ficam nas mãos do capitalista, proprietário dos meios de produção (as máquinas, as fábricas...).

O operário, contudo, não reconheceria a exploração de que é vítima. Daí a importância do intelectual marxista no processo de formação da consciência de classe, por meio da qual o trabalhador descobriria que seus interesses são divergentes dos da classe dominante. Além disso, o marxismo valoriza também as experiências de reivindicação específica dos trabalhadores, por meio de suas organizações representativas como os sindicatos e partidos políticos.

Enfim, para o marxismo, o operariado revolucionário seria capaz de destruir o capitalismo e o Estado burguês. Construiria, então, o socialismo, que consistiria na superação da contradição entre capitalismo e proletariado. Mas o fim último do socialismo é atingir o comunismo, fase em que a sociedade - sem classes - não precisa mais do Estado, que desapareceria.

Antes de isso acontecer, segundo Marx e Engels, ocorreria uma fase de transição - a ditadura do proletariado - em que é necessária a existência de um Estado forte e centralizador, capaz de planificar a economia. Vale a pena refletir sobre a implantação desse estado forte e centralizador nos locais onde ele ocorreu. Afinal, como disse o filósofo escocês David Hume, no século 18, só podemos compreender as crenças e as doutrinas que configuram o mundo observando a ação de seus pensadores.

O socialismo real

Em novembro de 1917, na Rússia, em meio à Primeira Guerra Mundial e a uma imensa crise econômico-política, Lênin tomou o comando da Revolução popular que havia deposto o governo monárquico em março daquele mesmo ano. Lênin concentrou o poder nas mãos do Partido Comunista e combateu violentamente a oposição, considerando que "não se deve discutir com opositores, mas pô-los diante de um pelotão de fuzilamento".

Cinco anos mais tarde, o novo regime russo se estabilizava e a Rússia passava a comandar uma confederação de países seguidora de uma orientação marxista-leninista: a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Com a morte de Lênin, em 1924, ocorreu uma disputa pelo poder entre seus dois principais lugares-tenentes, Leon Trotsky e Josef Stálin, vencida por este último, que governou a União Soviética - com mão de ferro - de 1929 até 1953.

Após a Segunda Guerra Mundial, sendo libertados da ocupação nazista pelas tropas de Stálin, vários países da Europa centro-oriental se viram forçados a fazer parte do bloco soviético integrando a chamada "Cortina de Ferro". Em 1949, a China também aderiu ao comunismo, assim como, décadas mais tarde, Cuba e alguns países africanos. Tudo levava a crer que novas revoluções viriam a ocorrer, insufladas pelos países onde o comunismo triunfara. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos se encarregavam de enfrentá-las, promovendo contra-revoluções também violentas.

A queda do Muro

Entretanto, em vez de continuar se expandindo como se acreditava que podia acontecer nas décadas de 1960 e 1970, os regimes comunistas começaram a implodir no final dos anos 1980. Em 1989, a queda do Muro de Berlim marcou o fim do regime na Alemanha Oriental, que se unificou à Ociental (capitalista). Em agosto de 1991, depois de um período de abertura, a União Soviética entrava em colapso e se dissolvia.

A derrocada do comunismo - que hoje vigora apenas em Cuba, na Coréia do Norte e, parcialmente, na China - talvez encontre uma explicação na própria forma pela qual as idéias marxistas se tornaram realidade. Em todos os países onde a revolução comunista aconteceu, a ditadura do proletariado se transformou na ditadura do partido único, o Partido Comunista, cujos dirigentes e burocratas se transformaram numa casta de privilegiados, totalmente distanciada do resto da população.

O Partido tornou-se uma entidade suprema, cuja ideologia deveria ser adotada por todos, sem direito a qualquer tipo de contestação. Isso gerou um Estado policialesco, sempre à caça de dissidentes, que eram perseguidos, presos ou eliminados. Além disso, apelando à História para garantir a sua legitimidade, a propaganda comunista freqüentemente reescrevia a História, adaptando os fatos às necessidades de seus governantes. Por exemplo, a participação de Trótski na Revolução russa foi simplesmente apagada dos livros de história da União Soviética, após Stálin, seu adversário, ter chegado ao poder.

Também no âmbito econômico, o comunismo só produziu fiascos. Em todos os países em que foi implantado, a economia dirigida pelo Estado, não produziu prosperidade, mas sim estagnação. Além disso, no contexto da guerra fria, os países socialistas - em especial a União Soviética - privilegiaram a indústria bélica, que sugava recursos (econômicos, tecnológicos, etc.) de outros setores, tornando suas sociedades atrasadas em termos de bens de consumo, quando não gerando o racionamento ou desabastecimento de gêneros básicos.

Guerra nas estrelas

Evidentemente, os Estados Unidos também colaboraram para levar o regime comunista da União Soviética ao colapso. Na década de 1980, o presidente norte-americano Ronald Reagan, em especial, investiu em programas sofisticados e caros na área militar e espacial, forçando o governo russo a tentar acompanhá-lo. Sem dispor dos mesmos recursos da rica economia norte-americana, a União Soviética passou a sofrer os efeitos de uma violenta crise, que, afinal, fez desmoronar o regime.

Em 1989, estudantes universitários também promoveram manifestações e protestos na China, exigindo maiores liberdades, sendo violentamente reprimidos pelo governo chinês. Entretanto, para se perpetuar no poder, o Partido Comunista Chinês usou de um expediente paradoxal: tratou de colocar a sua economia nos rumos do capitalismo. O país hoje tornou-se emergente e liberal no plano econômico, embora no campo político continue vivendo a ditadura de um partido único.

Os descaminhos dos regimes socialistas e seu colapso não representaram absolutamente o descrédito ou o fim das idéias marxistas. Ainda hoje, é grande o número de adeptos da filosofia de Marx. Segundo eles, o colapso do comunismo foi, na verdade, o colapso do "socialismo real" ou "stalinismo", ou seja, de uma versão deturpada e autoritária do marxismo.

Atualmente, os pensadores de orientação marxista tentam repensar o que aconteceu no mundo nas duas últimas décadas, para adaptar o marxismo à nova realidade e descobrir os novos caminhos para uma luta - revolucionária ou democrática - para uma sociedade sem classes. Do socialismo romântico à extinta União Soviética e ao paradoxo chinês