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Cursos de EAD de pedagogia não são oferecidos de maneira correta no Brasil, diz especialista

Mariana Mandelli

Do Todos pela Educação

27/09/2012 06h00

Uma das maiores especialistas em formação docente do Brasil, Bernardete Gatti aponta a falta de infraestrutura adequada e de legislação específica como os principais entraves para a oferta de pedagogia a distância no país.

Bernardete é graduada em pedagogia pela USP (Universidade de São Paulo), onde se aposentou como docente. Também já deu aulas no Programa de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e foi superintendente de Educação e Pesquisa da Fundação Carlos Chagas (FCC), onde atua hoje como pesquisadora colaboradora, trabalhando com temas referentes à formação de professores, avaliação educacional e metodologias da investigação científica.

Um dos principais trabalhos de Bernardete foi a coordenação de uma pesquisa que analisou os currículos dos cursos de pedagogia em todo o país, revelando um cenário de fragmentação. O levantamento com 71 currículos mostrou que somente 28% das disciplinas deles têm relação com a formação profissional específica; 20,5% referem-se a metodologias e práticas de ensino e 7,5%, a conteúdos.

Em conversa com o Todos Pela Educação, a professora analisou os principais problemas da formação docente a distância, sem deixar de lado as críticas ao curso presencial.

O que a senhora acha da formação docente no Brasil hoje, já que observamos uma grande expansão de cursos a distância?

O problema não é exatamente o curso ser a distância, mas a maneiras como eles estão sendo realizados no Brasil hoje. Existem cursos bons e com ótimos resultados, como é o caso do que é oferecido no núcleo existente na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). Há exemplos também em São Paulo, no Rio e no Paraná – são cursos que conversam com as redes de seus Estados. Mas o problema é que, no geral, não existe hoje um planejamento adequado para ser a distância. Podemos dizer que o licenciado em EAD sofre de diversos vícios presentes em quem se formou presencialmente, só que esses vícios aparecem piorados. No caso do estágio que o estudante deve fazer, por exemplo, não há monitoramento ou controle, nem no presencial nem a distância. Mas no caso da EAD isso se agrava ainda mais porque os cursos e os alunos são muito espalhados.

O que falta nesses cursos?

Essa modalidade tem uma série de exigências próprias, como estúdio, plataformas, bibliotecas virtuais e interações que, na prática, não ocorre. Não encontramos esses elementos nos cursos brasileiros. O material didático não é adequado – são impressos resumos de disciplinas. Além disso, há muito improviso nos polos. Falta legislação específica para sabermos como esses cursos devem se estruturar. Não precisamos de diretrizes específicas, porque a riqueza da EAD é valorizar o ritmo do aluno, mas sim de leis.

Como a senhora vê o perfil do aluno de pedagogia EAD?

A educação básica desse aluno é relativamente precária. Ele não tem formação suficiente para estudar sozinho uma disciplina como filosofia da educação, por exemplo. Além disso, ele tem pouco contato com os professores que produziram os materiais utilizados nas aulas e o tutor que coordena as aulas normalmente não está preparado para atender as necessidades dos alunos de todas as disciplinas do curso.

Acho também que muitos estão procurando uma nova profissão e entram tardiamente no curso, encarando-o como uma reciclagem, uma mudança de trabalho.

Muito se fala de utilizar a EAD apenas para formação continuada. A senhora acha que a formação inicial de um professor deve ser presencial? Por quê?

A formação presencial traz o aspecto da vivência, do cotidiano, da interação mais intensa. Taz também a ampliação cultural. Nossos programas de EAD não são flexíveis para quem trabalha e estuda ao mesmo tempo. Por isso, esses cursos, como formação continuada, são melhores, porque o aluno já está na rede e pode aplicar o que vai aprendendo no seu cotidiano.

No caso dos profissionais que lidam com a alfabetização dos alunos, a senhora acha que cabe a formação inicial EAD?

Em relação aos professores alfabetizadores, a formação a distância é complicada, porque há menos contato e relação com as crianças pequenas. As atitudes, valores e a socialização inicial da criança devem ser apreendidos pelo aluno de pedagogia. A demanda por Educação Infantil e pelo ciclo 1 do ensino fundamental é grande e as universidades deveriam se preocupar com esse público que as procura.