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Relato de um inscrito: #AprendiNoEnem que os tempos mudam e com eles o aprendizado escolar

Do UOL, em Belo Horizonte

07/11/2012 04h00

Depois nove anos do meu primeiro Enem, foi desafiador encarar o exame em 2012. Sem aquela adrenalina dos tempos de estudante, precisei de muita leitura, interpretação e um pouquinho da experiência que os anos de universidade e mercado de trabalho me deram.

Na fila para a entrada no local de provas ouvi uma candidata ligando para a amiga: “Você conseguiu dormir? Por que eu não consegui”. Eu ali atrás, após uma longa e tranquila noite de sono, precisei me colocar no lugar dos milhares de jovens que estão lá para decidir seus próprios destinos.

Senti que o Enem se tornou questão de vida ou morte para esses estudantes, ao contrário do que era na minha época de ensino médio: uma prova chata e cansativa que o governo inventou para avaliar os alunos. Hoje, essa turma precisa do resultado para alcançar o sonho da universidade.

No primeiro dia, esperava um aparato de fiscalização um pouco mais exigente, levando em conta outras provas em que detector de metais e fiscais dentro do banheiro são parte do procedimento. Para o Enem, bastou responder a pergunta do fiscal: “Trouxe celular?” Na resposta positiva o candidato recebia orientações para desligar e guardar o aparelho. Caso dissesse que não trouxe, a palavra de confiança bastava ao fiscal da prova. Talvez por isso, alguns candidatos tenham usado o celular para fazer imagens e postar na internet o conteúdo da prova. Era preciso apenas coragem para burlar as regras.

#AprendiNoEnem que os tempos mudam e com eles o aprendizado escolar. O candidato deveria mesmo saber o que é biorremediação? Na minha época não se ensinava isso. Deveria também conhecer a filosofia de Descartes, Habermas, Kant? Com alguns desses, eu só fui me encontrar de verdade na faculdade.

Ao mesmo tempo, fiquei feliz em saber que os jovens estão sendo forçados a pensar nos problemas ambientais e nas soluções para o planeta, assim como descobrir intervenções para assuntos como a imigração no Brasil.

Me lembrei durante a prova que me esqueci completamente da Química Orgânica. Nessas questões, em que precisei sortear uma opção, fiquei pensando no meu pai. Aos 58 anos ele também resolveu encarar o desfio do Enem 2012, porque pretende fazer outra graduação em uma universidade federal. Porém, duvido que se lembrou de como são as reações dos eletrófilos com o benzeno, que provavelmente estudou em meados da década de 70. Ele disse que no próximo ano vai fazer um cursinho pré-Enem.

Me senti à vontade entre os textos de Carlos Drumond de Andrade, Rubem Alves, Cecília Meireles, música de Gonzaguinha, citação de Jimi Hendrix, charges e tirinhas. Não estive tão à vontade assim com o movimento elíptico de Marte, com os cubos matemáticos e com o desenho dos fosfolipídios. No entanto, acredito que os estudantes que se preparam objetivamente para o exame “tiraram de letra”, afinal, as questões em geral não eram tão difíceis. Em algumas eu pensei: “Ah se eu tivesse estudado!”.

Fazer a prova também foi divertido. Ao meu lado, no primeiro dia, estava um adolescente que conversava com o caderno de questões o tempo todo. Ele discutia, apontava, sorria, fazia gestos de repreensão aos textos. O candidato chamou a atenção de quem tentava se concentrar, principalmente a minha levando em conta que ficamos juntos até o final do horário de prova.

E a inocência de alguns candidatos? Foi surreal quando uma jovem levantou a voz, no início das provas de domingo, e perguntou ao fiscal. “Preciso colocar título na redação?” Sem graça, ele disse que não poderia responder, mas outro candidato deu uma forcinha para ela indicando que era “opcional”.

No fim das contas, quebrei preconceitos que trazia sobre a prova do Enem desde 2003 - quando fiz pela primeira vez. Com o término das provas, agora sobra uma leve curiosidade sobre o meu resultado no exame nacional.