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Alunos da FEA-USP fazem 'rolezinho' em shopping desde 2007

Marcelle Souza

Do UOL, em São Paulo

18/01/2014 05h49

Um grupo de jovens ocupa o primeiro piso de um shopping da zona oeste de São Paulo. Eles são muitos e impõem sua presença cantando músicas e gritos de guerra. O cenário poderia ser um dos “rolezinhos” marcados pela internet nas últimas semanas, mas faz parte da programação tradicional do trote dos alunos da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo).

Apesar da semelhança entre os dois eventos, os acadêmicos nunca foram barrados pelos seguranças nem causaram alvoroço entre os frequentadores do shopping Eldorado, na zona oeste de São Paulo.

“O ‘almoço’ acontece na semana de recepção dos ‘bixos’. Ele é realizado entre dois eventos: o primeiro, na parte da manhã, é o tradicional pedágio na [avenida Brigadeiro] Faria Lima e depois do almoço tem a épica Cervejada do Imperador. É um dia bem tradicional na semana de recepção”, afirma Luiz Araújo, aluno de contabilidade de USP.

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  • Bruno Poletti/Folhapress

De acordo com vídeos divulgados na internet, os jovens chegam em massa, cantam, mas não há registro de tumulto e correria. “Barrados nunca fomos, apenas alguns estudantes se animam e sobem nas mesas e os seguranças na hora, educadamente, pedem que desçam”, afirma Bruno Miller, aluno de economia.

A programação é organizada desde 2007 pelo CAVC (Centro Acadêmico Visconde de Cairu) e pela AAAVC (Associação Atlética Acadêmica Vinconde de Cairu). As duas instituições ainda não decidiram se o evento vai se repetir este ano. As aulas na USP devem começar na primeira semana de março.

Trote versus rolezinho

Ao contrário de assustar lojistas e frequentadores, o rolê dos calouros da USP tem o apoio da administração do Eldorado. Em nota, a empresa afirma que “o objetivo e a organização deste encontro é bem diferente dos rolezinhos”. “Os alunos vêm ao shopping, almoçam, e depois se concentram para a comemoração, cantando gritos de guerra da universidade por alguns minutos, de forma organizada, o que não causa tumulto ou desordem” segundo a nota enviada ao UOL.

O QUE É?

O "rolezinho" é um termo que designa um encontro de jovens, a maioria moradores de periferias, que ocorre comumente em shopping centers. A atividade surgiu em São Paulo e foi, na maioria das vezes, marcada por meio do Facebook.

Quanto aos rolezinhos, o shopping afirma que está “tomando as mesmas medidas preventivas de segurança que os outros shoppings adotaram”, sem dar detalhes.

Na semana passada, a Justiça deferiu uma liminar -- decisão provisória -- que proíbe a prática do rolezinho em pelo menos seis shopping centers de São Paulo

No último sábado (11), cerca de mil pessoas (segunda a Polícia Militar) participaram do evento no shopping Metrô Itaquera, onde supostos participantes foram abordados e revistados pela PM. Houve confronto e a polícia chegou a usar bombas de efeito moral para dispersar os jovens.

“É interessante olhar como há, de fato, criminalização da pobreza acontecendo no caso do rolezinho: o sujeito que muitas vezes não aparenta ser um consumidor em potencial é barrado, já nós, por mais que estejamos gritando ofensas em alto e bom som, nunca fomos repreendidos ou incomodados”, diz Miller.

Em nota, o centro acadêmico disse que o trote no Eldorado se assemelha aos rolezinhos e criticou a postura de alguns shoppings diante dos movimentos da periferia. “Se há de fato uma preocupação com grandes aglomerações, a restrição deveria se dar para todos igualmente - o que não ocorreu. Se os eventos são similares, o tratamento deve ser o mesmo, independentemente de quem os frequenta”.

Para antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, professora da Universidade de Oxford, os shoppings estão negando o direito de ir e vir a parte da população. “Isso significa o apartheid. Um absurdo. O que não se quer é ver a periferia, pois isso afasta os consumidores. Brasil é assim: lugar de rico, lugar de pobre. Se os pobres invadem um shopping, os consumidores ficam com medo e não gostam e migram”, diz.