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Charges ilustram problemas da cidade de São Paulo no século 20

Bruna Souza Cruz

Do UOL, em São Paulo

26/01/2015 06h00

A atual falta de água em São Paulo já virou motivo de piada. Charges, montagens e até samba ('Saudade dos tempos de enchente') foram criados para chamar a atenção sobre o tema.  

É, “a coisa tá feia... mas, se você quer chorar, chora lá na Cantareira”, brincam os autores do samba. Você sabia que já no início do século 20 o humor também foi usado para retratar o mesmo problema?

O choque da urbanização da cidade, o aumento da população com a vinda dos imigrantes, o crescimento desordenado e a falta de estrutura local resultaram em uma grande crise hídrica. A Cantareira, cujos recursos ficam cada vez mais escassos, não deu conta de abastecer parte da população naquela época.

Os artistas viram a necessidade de revelar, com humor, o que acontecia dentro da futura metrópole, explica Paula Ester Janovitch, doutora em história pela USP (Universidade de São Paulo), que pesquisou e analisou mais de cem ilustrações publicadas em revistas no início do século – até por volta de 1930.

Além da falta de água nas torneiras da população, a pesquisadora lembra que problemas como excesso de carros, poluição, presença de buracos nas ruas e inundações também faziam parte da rotina de São Paulo. Sem contar as questões políticas -- como corrupção e a má administração pública – que cotidianamente aparecem nos noticiários atuais.

Segundo ela, as charges publicadas pelos veículos de comunicação locais eram extremamente engajadas. O papel das ilustrações na época era estimular a população a ter uma visão mais crítica sobre os fatores que afetavam a cidade.

"Elas [charges] são importantes para a história, pois a gente consegue entender bem como era a sociedade [paulistana] e refletir sobre o que aconteceu e o que acontece. Outra coisa interessante era que a diversidade cultural, a confusão de línguas [dos vários imigrantes] e o preconceito contra o caipira também eram temas tratados com humor", destacou a Janovitch, também autora do livro "Preso por Trocadilho", que narra como a imprensa humorística retratou São Paulo entre 1900 e 1911.

O nome da obra surgiu por meio de uma charge de mesmo título que ironiza a dificuldade de compreensão entre paulistas e imigrantes. A imagem mostra o recém-chegado sendo preso por falar mal da cidade, quando na verdade ele falava mal do jornal de São Paulo.

Passado para entender o futuro

Apesar de muitos problemas do passado ainda existirem na São Paulo atual, a historiadora acredita que isso não deve ser visto de forma tão pessimista. Para ela, a possibilidade que se tem de olhar o passado e compreender o presente deve ir além da ideia de que nada muda.

“O passado tem essa função de apontar caminhos de coisas que não são simplesmente passageiras. Ter consciência dessa repetição através do humor é uma possibilidade de um futuro diferente. Se eles não foram resolvidos até agora, será que não chegou a hora de repensar novas estruturas, novas leis? Às vezes, o problema não é de uma pessoa específica que não resolve. Isso pode ser maior. Pode ser de um modelo de gestão. É preciso refletir sobre questões maiores”, conclui.