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Os transexuais voltam à escola em São Paulo

Em São Paulo

17/04/2015 13h08

Karen Emiliano era criança quando deixou de estudar há 23 anos. Seu nome era Jonas e era agredido por se sentir mulher. Tinha apenas 14 anos quando saiu de casa e embarcou em uma viagem por São Paulo, que o levou à prostituição, mas que hoje o devolveu para a escola.

Como ela, outros 99 transexuais e travestis da maior cidade do Brasil recebem desde fevereiro uma ajuda da prefeitura de 827 reais (mais que o salário mínimo) para frequentar o curso de educação primária ou secundária de seis horas diárias durante dois anos e melhorar seu nível educacional.

No país onde mais membros da comunidade 'trans' são assassinados por ano - 602 vítimas entre 2008 e 2014, segundo a ONG Transgender Europe -, a prefeitura de São Paulo vai investir 3 milhões de reais para reinserir estas cem alunas no mercado de trabalho.

Esta é uma operação de "resgate" social, como definiu o prefeito Fernando Haddad durante a apresentação desse programa pioneiro na América Latina.

Fazendo as contas

Valeryah Rodriguez é rápida. Seus olhos negros marcados pelo rímel se movem de um lado para o outro. Sobra tempo para fazer o trabalho de história e brincar com sua Lecca, que a seu lado se concentra por resgatar a aluna que foi há 30 anos.

O professor lida com agilidade nesta classe do primário em uma escola para adultos de São Paulo. As cinco alunas 'trans' se misturam com a outros oito estudantes, a maioria deles com incapacidade intelectual.

"Minha família é evangélica, imagina. Tive que sair de casa aos 16 anos porque não aguentava mais", conta Valeryah, dizendo que nunca se prostituiu porque essa não é a sua.

Na cadeira ao lado, Karen explica como as contas não fecham e que continua fazendo "serviços" nos fins de semana para pagar os 500 reais da pensão onde vive no centro da cidade.

Os requisitos para admissão no programa Transcidadania, que já tem uma lista de espera de 100 candidatos, são ser transexual ou travesti, residir em São Paulo, estar desempregado e não ter um emprego formal há mais de três meses nos últimos três anos.

Para receber a ajuda econômica, as alunas não podem ter mais de três faltas, mesmo com os coordenadores cuidando para que nenhuma deixe o programa.

"Nestes meses tivemos poucas (baixas). Sim, tivemos problemas pontuais como o de uma aluna que vinha para aula alcolizada. Mas mesmo com o problema, conseguimos que venha às aulas sóbria", conta orgulhosa a coordenadora do programa, Symmy Larrat, que também é travesti.

Mente de mulher

Está na hora da mudança de matéria e Michelly Romera sai da aula de inglês colocando seu boné marrom sobre sua cabeleira loira.

Tem 32 anos e uma uma maquiagem discreta. Com naturalidade conta que trabalhou 16 anos se prostituindo, um deles na Itália.

"A bolsa é pouca, mas ajuda muito. Desde que comecei as aulas, não voltei às ruas", afirma com um sorriso discreto antes de dizer que seu objetivo é estudar psicologia.

Dentro da sala de aula, com um vestido preto justo e o caderno aberto, está à espera Cristiane Mourão, que aos 39 anos voltou a estudar com o sonho de ser enfermeira. Deixou de estudar aos 15 anos porque foi espancado na escola. Desde então, tem driblado a morte em várias ocasiões.

Provou a vida nas ruas e saiu no dia em que um cliente colocou uma pistola no seu ombro para não pagar pelo programa. Mas se sente uma sortuda porque sua família sempre a compreendeu.

"Desde que nasci eu sou assim. Mudei fisicamente, mas nasci com uma mente de mulher. A verdadeira mulher está na mente, não no corpo", diz.

Na fila de trás, Valeryah assente com a cabeça e acrescenta que sua família teria aceitado melhro se ele fosse gay, nunca um transexual.

Mas isso é passado.

"Voltar à escola me devolveu a vida. Me dá muita felicidade pensar que me vou me inserir de novo na sociedade", diz justificando seu bom humor.

"Quero aprender espanhol, inglês, francês, italiano... o que for, é tudo tão chique!", diz em voz alta.

E a classe ri.