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Ocupação de reitoria da UFRJ tem revezamento na cozinha

Maria Luisa de Melo

Do UOL, no Rio

20/05/2015 15h10Atualizada em 20/05/2015 17h37

A estudante de odontologia Helena Martins, 24, trocou a casa confortável de sua família em Copacabana, na zona sul do Rio, para dormir em colchonetes na reitoria da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). O mesmo fez a aluna de engenharia de bioprocesso Mayara Gomes, 25, de Niterói. As duas integram um grupo de 150 estudantes que ocupa a reitoria desde quinta-feira (14). Além de dormirem em colchonetes no chão, todos compartilham um banheiro e uma extensa pauta de reivindicações.

A maioria dos pedidos trata da ampliação do número de bolsas de ajuda de custo e de vagas no alojamento da universidade, já que o Sisu (Sistema de Seleção Unificada) atraiu grande número de alunos de outros Estados do país nos últimos anos.

A entrada da reitoria nunca esteve tão movimentada. Conforme acompanhou uma equipe do UOL, a todo tempo passam caixas com frutas, verduras, legumes e mantimentos para uma cozinha que fica dentro da reitoria. Lá, os alunos se revezam para preparar almoço e jantar há sete dias. Mesmo podendo se alimentar no bandejão da Cidade Universitária, as refeições são oferecidas na ocupação para evitar que todos os alunos precisem sair dali, deixando a reitoria desocupada. Os alimentos são comprados com doações de alunos e de Centros Acadêmicos.

“Depois do último Conselho Universitário eu já fiquei acampada aqui de vez, com a roupa do corpo mesmo. Só no sábado eu fui para casa buscar algumas coisas básicas. Toalha, sabonete, colchonete. Meus pais têm medo de eu ser presa, de dar alguma confusão, mas não vai dar. E o sacrifício vai valer a pena. As nossas necessidades precisam ser vistas”, reclama Mayara Gomes, filha de um fiscal e de uma dona de casa.

Nascida em Louveira, no interior de São Paulo, Muana Martins, de 23 anos, traz na ponta da língua a pauta dos estudantes que ocupam a reitoria. Ela pertence a um grande grupo de alunos que deixou a cidade natal depois de conseguir uma vaga na maior universidade federal do país. Veio para o Rio de Janeiro sem ter onde morar e enfrentou dificuldade para conseguir bolsa de ajuda de custo. Sem teto, foi acolhida por estudantes no superlotado alojamento universitário.

“Na última reunião que tivemos, ofereci ao reitor o kit de café da manhã que nós ganhamos todos os dias. Dei a ele o mesmo pão mofado que recebo. Curiosamente, ele não comeu. Estamos cansados das omissões do dia a dia dentro dessa universidade. Curso relações internacionais, na Praia Vermelha. Lá não existe bandejão e eu não tenho como pagar uma refeição na zona sul todos os dias. Assim, o certo seria eu jantar no bandejão da Cidade Universitária quando volto. Mas à noite já está fechado. O que me resta é ficar com fome”, reclama.

Os campi da UFRJ em Macaé, Xerém e na Praia Vermelha não têm restaurante universitário. O benefício só é oferecido na Cidade Universitária.

Outra reivindicação dos estudantes é que a reitoria realize um censo para documentar informações como o número de alunos que são de fora do Estado e precisam de moradia ou de algum auxílio para se manter na universidade.

“A UFRJ atrai o aluno, mas não são todos que conseguem se manter aqui. A cada semestre entram cerca de três mil estudantes cotistas. Assim, duas a três mil pessoas pedem bolsas-auxílio de R$ 550, mas só 408 bolsas são oferecidas. Muita gente fica desassistida. A evasão existe, mas não existe sequer um censo para obter e armazenar dados como esse”, diz.

“Também temos a bolsa moradia, no valor de R$ 1.200, mas só 50 alunos são atendidos no Rio de Janeiro, seis em Macaé (Norte Fluminense) e três em Xerém (Baixada Fluminense). E a UFRJ tem 54 mil estudantes. Há uma necessidade de que isso seja revisto, as bolsas precisam ser ampliadas. Sem uma política de permanência estudantil, como os alunos se mantém na universidade?”, indaga 

Um dos cozinheiros da ocupação, o estudante de gastronomia Lucas Gomes, 18, deixou a família na Bahia para estudar no Rio. Logo que chegou à UFRJ, sem bolsa de ajuda de custo nem vaga no alojamento, morou dois meses em uma barraca.

“É desumano. Até eu conseguir uma vaga no alojamento demorou muito. As bolsas são insuficientes para todos os alunos. Não adianta só ampliarem o número de vagas nas universidades se não dão condições aos estudantes de levarem seus cursos até o final”, critica ele que atualmente divide um quarto com outros dois colegas no alojamento universitário.

A cozinha, antes à disposição do reitor Carlos Levi, está totalmente ocupada por panelas e utensílios dos estudantes. Até a sala usada para as deliberações do Conselho Universitário está tomada. São inúmeras barracas e colchonetes espalhados pelo chão para acomodar os alunos.

Apesar de não precisar usar o alojamento universitário, a estudante de odontologia Helena Martins, moradora da zona sul do Rio, também dorme na reitoria, sem se intimidar com a água gelada do único banheiro usado pelo grupo.

“Sabemos que este ano a UFRJ recebeu menos recursos por conta do ajuste fiscal. Por isso, a prioridade da reitoria deveria ser a assistência estudantil. Sem estudantes, não tem universidade. Nós somos a maioria. São 54 mil alunos contra oito mil técnicos e quatro mil professores”.

Inicialmente na lista de reivindicações dos alunos que ocupam a reitoria, o pagamento dos funcionários terceirizados foi feito nesta terça-feira (19). No entanto, a ocupação será mantida pelo menos até quinta-feira (21), quando ocorrerá sessão extraordinária do Conselho Universitário, às 10h, com pauta única sobre assistência estudantil.

Outro lado

Procurada via assessoria, a reitoria da UFRJ informou que considera “absurda e descabida a acusação dos estudantes de fornecimento de alimento deteriorado”. Sobre a existência de restaurante universitário apenas na Cidade Universitária, a reitoria informou que vai iniciar as obras de um novo restaurante na Praia Vermelha, na Urca, Zona Sul fluminense. A data para o início das obras, porém, não foi informada.
 
Sobre o número de bolsas-auxílio ser insuficiente para atender todos os alunos cotistas, a reitoria reconheceu que não tem como atender “aos cerca de 1.450 alunos de outros municípios do Rio de Janeiro e outros Estados”. A meta, segundo nota enviada ao UOL, é estender o benefício. “A UFRJ é a universidade que tem o maior programa de bolsas do Brasil, investindo 85 milhões por ano”, diz o documento.

Sobre a carência de vagas no alojamento universitário – que dispõe de duas alas, uma feminina e outra masculina, cada uma com 252 vagas – a reitoria informou que uma segunda unidade está em fase de construção no Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, também na Cidade Universitária.