Topo

Professor narra em livro histórias sem final feliz da escola pública

Rodrigo Ciríaco foi professor de história da rede pública em São Paulo - Junior Lago/UOL
Rodrigo Ciríaco foi professor de história da rede pública em São Paulo Imagem: Junior Lago/UOL

Marcelle Souza

Do UOL, em São Paulo

13/07/2015 06h00

"O professor observa o menino no canto da sala, afastado. Sozinho. Suando frio. Esfregando a mão dentro da calça. Estranha. Aproxima-se, com calma. O aluno de cabeça baixa, concentrado. A mão dentro da calça. Esfregando. Não percebe a chegada do professor. Assusta. Coloca de volta, rápido. Sobe o zíper. O professor, meio sem jeito, pergunta:
- O que é isso, Lucas
O aluno não vê outra solução. Abaixa o zíper. Mostra o revólver.
- Ah! Tudo bem. Pensei que tivesse fazendo outra coisa.

- Ô, que isso. Ta tirando, prussô?"

É assim com textos curtos, diretos e uma linguagem coloquial que o professor de história Rodrigo Ciríaco, 31, narra o cotidiano da escola pública na periferia de São Paulo no seu livro “Te Pego Lá Fora” (Editora DSOP, 2014). Esqueça as palavras doces e o final feliz. Aqui é vida real.

O ‘prussô’ [professor] conta histórias das violências que envolvem a escola pública: o tráfico, as agressões, os problemas familiares, a morte, a gravidez na adolescência, os assaltos. Relata um pouco como foram os seus anos como aluno e, depois, como professor de história.  

“O livro é um grande mosaico de várias histórias que vivi, observei e ouvi. Comecei a escrever, primeiro, para sobreviver a esse ambiente caótico que é a escola pública, tinha que encontrar uma válvula de escape para as angústias, a revolta. Além da indignação, muitas histórias não podiam passar em branco, não podiam ser esquecidas, atos criminosos que acontecem tão rotineiramente e que acabam se tornando banais. Então, relatar essas histórias seria uma forma de questionar esse ambiente, essa banalidade sobre o assunto”, diz Ciríaco.

Para fazer esses relatos, o professor decidiu escutar as histórias que ecoavam na escola e usou a sala de aula como laboratório também para saber como elas deveriam ser contadas. “Ouvi bastante a molecada, a maneira que eles falavam, as gírias, os neologismos, para fazer o registro das múltiplas vozes dentro da escola, não só dos professores, mas também dos alunos”.

Na infância, não tinha em quem se inspirar, mas mesmo assim alimentou aos poucos o gosto pela leitura. “Meu pai estudou até o 2º grau e a minha mãe, até a 4ª série. Nunca tive uma figuração de observação, nunca tive muitos livros e revistas, mas sempre que eu pedia um livro eles corriam para buscar, nunca me negaram o direito à leitura”, afirma. Começou pelos quadrinhos, super-heróis e Turma da Mônica, e logo tomou contato com a poesia e a literatura, mas só começou a escrever mesmo em 2004, quando começou a participar de saraus na periferia de São Paulo.

Assim, começou a narrar o cotidiano da escola pública, que conhece e frequenta desde a infância na zona leste de São Paulo. Concluiu o ensino médio na rede estadual e tinha o sonho de ser professor. Acreditava na escola pública. Tentou entrar na USP, mas não conseguiu ser aprovado no vestibular de primeira. Estudou mais um pouco e assumiu a cadeira no ensino superior. Seguia na educação pública e gratuita. E achou que deveria retribuir.

“Eu entrei na universidade já com esse objetivo: me formar como professor e trabalhar na rede pública de ensino. Achava que tinha aptidão e queria devolver para a sociedade esse investimento que foi feito em mim, na minha formação”, afirma Ciríaco.

Depois de 14 anos como professor, atuando nas redes municipal e estadual, ele deixou a sala de aula para se dedicar aos livros, aos projetos de formação literária (que também realiza em parceira com escolas) e saraus na periferia. Foi agredido diariamente pela dureza da sua realidade, mas diz que continua acreditando na escola pública.  

“A educação tem que ser pública e gratuita, para todos, para a inclusão (...) Sou fruto da escola pública”, diz. “Não saio [da sala de aula] frustrado, porque sempre trabalhei da melhor forma dentro das condições que eu tinha, mas saio com um sentimento de derrota porque não consegui ver a escola mudar e melhorar como eu gostaria. Como um soldado que tem que se aposentar sabendo que fez o que pode com as armas que tinha em mãos”.

"O livro é um grande mosaico de várias histórias que vivi, observei e ouvi", diz Ciríaco - Junior Lago/UOL - Junior Lago/UOL
"O livro é um grande mosaico de várias histórias que vivi, observei e ouvi", diz Ciríaco
Imagem: Junior Lago/UOL

Leia trechos do livro "Te Pego Lá Fora", de Rodrigo Ciríaco

Boas-vindas

"- Oi?
- Oi.
- Como cê chama?
- Maíra.
- Ah. Eu sou o Luan.
- Legal.
- De que escola cê veio?
- Eu vim do CEU.
- Puuutz, meu. Que azar!
- Por quê?
- Por quê? Oxi... Bem-vindo ao inferno!"

A Placa

"A minha aluna virou uma placa. Há três meses ela deixou de vir à escola por isso: virou uma placa. E não uma placa qualquer, de trânsito, que ninguém respeita. Ela virou uma placa publicitária. Agora tem uniforme, endereço e identidade. Não fica mais à margem. Fica na porta dos shoppings, concessionárias e futuros edifícios, se autopromovendo: A placa. Com pernas."

Miolo mole frito

"Meu sonho é matar meu padrasto. Essa noite eu consigo. Vou ferver óleo de madrugada e jogar dentro do seu ouvido. Enquanto ele estiver com o sono pesado, dormindo que nem um menino. Não será para ele não sofrer, não, eu quero que ele sofra. Muito. Mas tem que ser na trairagem pra ele não me machucar mais, não mexer mais comigo. Nem com a minha irmã."