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Professora cativa alunos por fazer cosplay e ser fã de animes

Thiago Varella

Do UOL Educação, em Campinas (SP)

28/07/2015 06h00

Durante anos, a professora Juliana Vita Innuendo, 36, levava uma vida dupla. No trabalho, ensinava português e inglês em uma escola pública na cidade de Santos, no litoral paulista, e, na escola, se veste da maneira mais normal possível. Em seu tempo livre, ela se dedicava ao cosplay, a prática de se fantasiar como seus personagens favoritos de quadrinhos e desenhos animados japoneses, os chamados mangás e animes.]

Juliana é umas cosplayers pioneiras em Santos. Desde 1999, ela segue participando de eventos, montando fantasias e se divertindo com o hobby. A carreira de professora começou depois. Em 2005, ela passou em um concurso público estadual e, pela primeira vez, assumiu uma turma.

De lá para cá, a professora ficou imaginando como juntar uma paixão com a outra. Não que ela não sentisse relação nenhuma entre o cosplay e a sala de aual. Tímida e introvertida quando criança, Juliana, por meio de seu hobby, aprendeu a se soltar.

"O cosplay me ajudou a conseguir lidar o público. Quando você faz cosplay, você encarna um personagem. O professor não deixa de ser um personagem. Você precisa sempre encarar a plateia na sala de aula", afirmou.

Mesmo assim, ela sentia que, de alguma maneira, o cosplay poderia ajudá-la mais nas aulas. O medo de ser estigmatizada pelos alunos, que poderiam pensar que aquilo era coisa de "nerd", a segurou.

"No ano retrasado, um professor falou para eu revelar aos alunos. Eu imaginava que eles achariam estranho. Eu já sofri muito bullying por ser gordinha, até mesmo dentro do meu hobby. Tinha medo de que eles não entendessem o que era aquilo", explicou. "Aos poucos eu fui selecionando quem poderia acessar meu álbum no Facebook e, assim, meus alunos perceberam que havia outra Juliana", completou.

Neste ano, Juliana resolveu contar para todos os alunos que fazia cosplay. Para sua surpresa, o medo de rejeição acabou se tornando, na verdade, um elo de aproximação com os estudantes. De repente, suas turmas perceberam que tinham uma professora com gostos parecidos.

"Várias barreiras caíram. Por mais que eu nunca tenha ido fantasiada dar aulas, meus alunos criaram um laço de afetividade comigo. Muitos vêm pedir dicas para começar a fazer cosplay e, assim, acabo ensinando algo a mais do que apenas português ou inglês. Ensino a ter planejamento, por exemplo. A economizar dinheiro, a aprender coisas novas", afirmou.

A professora, ávida frequentadora de eventos de cosplay, mangás e afins, também passou a encontrar seus alunos. "Eles me apertam, me abraçam, me beijam. Tiram fotos. É bem bacana", disse.

Mangá na aula

Agora, a professora quer, aos poucos, introduzir os quadrinhos japoneses no dia a dia dos alunos, até mesmo como material didático. Segundo Juliana, os gibis já são trabalhados no programa Sala de Leitura, da Secretaria Estadual de Ensino. No entanto, os mangás ainda não são muito usados.

"Os quadrinhos são usados para ensinar muita coisa como linguagem verbal e não-verbal, discurso direto e indireto, entre outros temas. Eu leciono em uma escola na periferia de Santos e estou responsável em abrir uma sala de mangá na minha escola. Preciso orientar bem os alunos sobre o que ler, já que existem mangás para todas as idades", disse a professora que dá aulas para turmas do 6º ano do ciclo 2 ao 1º ano do ensino médio.

Desde a infância, Juliana é apaixonada por desenhos animados. Na década de 1990, ela se encantou com o anime Cavaleiros do Zodíaco, que era transmitido pela extinta TV Manchete. Na mesma época, começou a ler revistas sobre super-heróis. Em uma delas, viu que um grupo de pessoas se vestia como seus personagens favoritos. Foi aí que teve seu primeiro contato com o universo dos cosplayers.

"Descobri um evento chamado Mangá Con que só era para descendentes de japoneses. Fui para esse evento em São Paulo, em 1996, com uma amiga e minha mãe. Foi a primeira vez que vi o cosplay ao vivo e me apaixonei. Eles encenavam os desenhos aniamados e eu na hora quis fazer também", contou.

Porém, sua estreia como cosplayer só aconteceu três anos depois, quando estava ingressando na faculdade de Letras.

"Durante o curso de Letras continuei fazendo cosplay. Daí fiz um clubinho de amigos. A gente frequentava o mesmo espaço aqui em Santos. A gente se reunia todo sábado. Desenho ainda era coisa de criança, mas a gente se juntava para falar sobre eles", relembrou.