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Escola britânica mantém tradição de ensinar só meninas há 119 anos

Flávio Carneiro

Do UOL, em Dublin (Irlanda)

19/08/2015 06h00

A Wycombe Abbey é uma escola particular completamente dedicada às meninas. Localizada no condado de Buckinghamshire, na Inglaterra, o local possui 554 estudantes – e não há nenhum menino entre eles. 

A idade das alunas varia entre 11 e 18 anos e o regime de ensino é integral. As estudantes moram em repúblicas na própria escola, separadas em grupos de acordo com sua idade. As meninas podem deixar a escola e passar o terceiro final de semana de cada mês em casa, além de ocasiões especiais e nas férias. O contato com os pais também ocorre durante eventos esportivos e culturais, quando eles podem visitar as meninas e apoiá-las.

A opção de ensinar apenas garotas foi adotada já na inauguração da escola, em 1896. Segundo a instituição, o objetivo é criar um ambiente em que as meninas sintam-se confortáveis e evitem distrações com a presença de garotos. Com a separação seria possível focar no aprendizado das meninas.

“Há muitas vantagens na educação separada por sexo, principalmente para as meninas. As mulheres amadurecerem mais cedo do que os garotos, por isso é bom que elas sejam separadas na adolescência. Assim elas podem focar nos estudos e não se preocupam com o que os meninos estão pensando a respeito delas”, afirmou Kerri Fox, diretora de relações exteriores da Wycombe Abbey.

Apesar de essas jovens passarem longos anos convivendo apenas com meninas na escola, elas não enfrentariam problemas na universidade ou em outros ambientes mistos. “Isso não ocorre porque há diversas oportunidades para elas conhecerem meninos. Entre esses momentos estão encontros com escolas apenas de garotos, conferências acadêmicas, fóruns de debate, jantares, eventos sociais, entre outras ocasiões. Nós achamos importante que elas não tenham uma vida cercada apenas de mulheres”, conta Kerri.

Além das aulas tradicionais, todo esse tempo que as meninas passam na instituição é ocupado com atividades culturais (ou extracurriculares). A lista é grande e inclui ações como esportes coletivos e individuais, música, dança, teatro, entre outros. Se a estudante quiser aprender algo que não é oferecido pela escola, ela pode solicitar aulas individuais e pagar a parte.

O ensino religioso também faz parte da rotina na Wycombe Abbey, que possui ligação com a Igreja Anglicana, chamada de Igreja da Inglaterra. O propósito desse conteúdo seria ajudar as meninas a refletirem e entenderem melhor sobre si mesmas e o mundo, além de conhecer os fundamentos de outras religiões.

“A escola é baseada nos preceitos da Igreja da Inglaterra, mas garotas de todas as crenças são aceitas, desde que elas entendam a importância de nossos fundamentos e missas, que são realizadas cinco vezes por semana”, conta Kerri.

De acordo com o ministério da educação britânico, não há um programa de incentivo do governo para que sejam criadas mais desse tipo de escolas. Mesmo assim, elas não são raridade. De acordo com dados do governo, existem 262 entidades de ensino apenas para meninos e 329 para meninas. Desse total, 178 são mantidas pelo governo e 413 são privadas. As escolas mistas somam 18.085 instituições, excluindo escolas especiais e comunitárias.

Especialistas discordam

Esse modelo de escola, no entanto, não agrada os educadores brasileiros ouvidos pela reportagem. Segundo o professor Nelson Pedro da Silva, que atua no Departamento de Psicologia Evolutiva da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo), conviver diariamente apenas com estudantes do mesmo sexo pode atrapalhar o desenvolvimento desses jovens.

“Não ter contato com o outro gênero diariamente prejudica a capacidade desse aluno de respeitar a diferença e a diversidade, já que ele não se depara com essas características. Essa situação pode até criar pensamentos de superioridade ou inferioridade. No caso de escolas para meninos, por exemplo, o ambiente pode contribuir para que o machismo seja perpetuado, pois os meninos e meninas não são colocados lado a lado. É como se a escola fosse uma bolha, que não reflete a vida real”, explica Silva.

Para a professora Jane Felipe de Souza, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), a escola deve ser um ambiente de aprendizado que vai além do conteúdo que está nos livros. “A escola é um lugar onde você aprende direitos humanos, ética, cidadania, convivência com o direito e muitas outras coisas além de matemática e português. Por isso é importante que haja diversidade”, afirmou.