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Opinião: Estudantes brasileiros ocupam suas escolas para salvá-las

Marlene Bergamo/Folhapress
Imagem: Marlene Bergamo/Folhapress

Pablo Ortellado*

Em São Paulo

16/12/2015 10h11

A economia do Brasil, um imenso escândalo de corrupção envolvendo a empresa estatal de petróleo e, mais recentemente, o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff têm dominado o noticiário no país. Mas é outra crise no Estado de São Paulo que tem o potencial de moldar a democracia no país pelos próximos anos. Isso porque essa crise –um enorme protesto em resposta ao plano do Estado de fechar 94 escolas públicas– envolve alguns dos cidadãos mais jovens do país: alunos do ensino fundamental e médio.

Em outubro, sem discutir a decisão com professores, pais ou alunos, o governo do Estado de São Paulo anunciou durante uma entrevista para a televisão que dezenas de escolas seriam fechadas no ano que vem. O plano faz parte de uma consolidação visando racionalizar o uso de recursos, ao agrupar os estudantes em escolas específicas de acordo com cada nível educacional. Mais de 300 mil alunos serão afetados; muitos serão enviados para escolas lotadas distantes de suas casas.

A resposta ao anúncio foi imediata. Primeiro, o sindicato dos professores organizou protestos, mas foram ignorados. Então, os alunos protestaram em seus bairros, na esperança de aumentar a conscientização entre os membros da comunidade. Eles foram ignorados. Finalmente, em 9 de novembro, um punhado de estudantes decidiu ocupar uma escola na região metropolitana de São Paulo. Em uma semana, quase 100 escolas foram ocupadas e, uma semana depois, 200.

Apesar de contarem com amplo apoio de pais, vizinhos, professores e da comunidade em geral, os alunos enfrentaram dura resistência por parte do governo estadual. Inicialmente, o Estado tentou fazer com que a polícia removesse os estudantes a força, mas esse esforço foi impedido pelo Judiciário, que sugeriu que o governo se sentasse com os manifestantes para negociar uma solução. Até o momento isso não aconteceu. Em vez disso, em uma gravação de áudio de um encontro com dirigentes de ensino que foi vazada para a imprensa, pode ser ouvido o governo elaborando uma estratégia de "guerra" para desacreditar os estudantes.

Infelizmente, essa abordagem arrogante às exigências da sociedade civil é característica de uma nova geração de autoridades públicas brasileiras. Políticos anteriores –aqueles que chegaram ao poder quando o Brasil estava em transição de uma ditadura militar– saíram dos sindicatos trabalhistas, movimentos sociais e coalizões pró-democracia. Seus anos formativos incluíram negociações salariais, assembleias de base e formação de alianças, coisas que exigem concessões e a capacidade de conciliar posições divergentes.

Os líderes políticos atuais saíram não dos movimentos sociais, mas dos estabelecimentos do poder, incluindo cargos profissionais do governo e de cadeiras nas universidades de elite. Eles têm alta formação, mas estão fora de contato, preferindo fazer uso de soluções técnicas aos problemas, sem levar em consideração como as pessoas são afetadas por suas decisões. Há 23 séculos, o filósofo grego Aristóteles tratou da tensão entre o conhecimento técnico e o espírito da democracia com a máxima, o convidado é melhor juiz de uma refeição que o cozinheiro.

Nos termos dessa analogia, os brasileiros estão passando fome. O protesto dos estudantes é o mais recente de uma série de movimentos sociais que saíram de controle devido à falta de resposta do governo. Em 2013, manifestantes exigindo a redução das tarifas do transporte público foram recebidos com silêncio pelas autoridades. Antes da Copa do Mundo de 2014, protestos contra despejos visando abrir caminho para construção de estádios e contra a brutalidade policial nas favelas do Rio de Janeiro caíram em ouvidos moucos.

Milhares de estudantes agora estão vivendo em suas escolas ocupadas em São Paulo. Diante da declaração de guerra do governo, eles estão organizando aulas, oficinas e apresentações musicais, cozinhando uns para os outros com alimentos doados pelos pais e vizinhos, e realizando a manutenção rotineira dos prédios que ocuparam. Em vez de perder força, eles estão ampliando suas exigências. Eles não estão mais lutando apenas para manter suas escolas abertas. Agora, o protesto deles se tornou uma forma de expressar sua insatisfação com o ensino em geral.

Os estudantes estão conseguindo progresso. Na semana passada, as autoridades do governo estadual disseram que adiariam o fechamento das escolas por um ano. O secretário da Educação renunciou. Mas os manifestantes não demonstram sinais de recuar. Eles querem que todo o plano seja descartado.

A história recente lhes dá motivo para esperança. As concessões do governo lembram outro recuo diante de um levante popular. Após semanas de rígida intransigência por parte dos governos municipais e estaduais, os protestos de 2013 contra o aumento das tarifas dos transportes públicos cresceram tanto que 9% da população adulta do Brasil tomou as ruas. Posteriormente, 70% da população urbana do país viu suas tarifas reduzidas.

É possível começar a se perguntar se sempre será preciso uma grande crise nacional iniciada por protestos de rua para que as vozes do povo brasileiro sejam ouvidas.

*Pablo Ortellado é um membro da Open Society Foundations e um professor de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo